INTRODUÇÃO
O Código de Defesa do Consumidor veio trazer um novo parâmetro de condutas para os agentes do mercado de consumo. Desde a sua entrada em vigor, há 31 anos, fornecedores e consumidores têm aprendido a conviver com esse importante instrumento de democracia. Todavia, quando entrou em vigor, o mercado de consumo era bem diferente do que é hoje, e, principalmente depois da Pandemia de Covid-19. 1
O comércio eletrônico ganhou um impulso muito grande nos últimos meses em razão das pessoas estarem em casa, realizando o distanciamento social. Vários comércios foram fechados, podendo vender seus produtos somente pela internet. Diante dessa nova situação, uma prática tornou-se muito comum no anúncio de produtos e serviços nas redes sociais. Os fornecedores passaram a fazer anúncios nas principais redes sociais, mas muitas vezes, escondiam o preço dos produtos, só os concedendo a quem os solicitasse “inbox” ou pelo “direct”, que são formas privadas de conversa. Essa forma de anúncio é permitida pelo Código de Defesa do Consumidor? O que diz a lei sobre tal prática?
O DIREITO À INFORMAÇÃO, A OFERTA E PUBLICIDADE NO DIREITO DO CONSUMIDOR
O direito à informação é um direito básico do consumidor previsto no art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor. Dispõe o inciso III do citado artigo que é direito básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. O direito à informação no âmbito do direito do consumidor é direito de prestação positiva oponível a todo aquele que fornece produtos e serviços no mercado de consumo. 2
O art. 6º, III, teve sua redação alterada recentemente pela Lei nº 12.741 de 08 de dezembro de 2012, que determina que, em todo o território nacional, deverá constar, dos documentos fiscais ou equivalentes, a informação do valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja incidência influi na formação dos respectivos preços de venda. Entre esses tributos, estão: o ICMS, o ISS, o IPI, o IOF, o Pis/Pasep, a Cofins e a Cide.
No sistema brasileiro, a oferta sempre foi encarada como a declaração inicial de vontade destinada à concretização de um contrato. Como o contrato é um acordo de vontades, é necessário que um dos contraentes tome a iniciativa de propor o negócio, dando ensejo à formação do contrato que dependerá da aceitação do outro contratante. O emitente da vontade é denominado proponente ou solicitante e aquele que a recebe é denominado de aceitante ou oblato.
A oferta clássica exige para sua validade, uma série de requisitos. Deve ser delimitar a coisa oferecida e seu preço, deve ser dirigida a pessoa específica e por fim, tem que ser firme. Ausentes esses requisitos, verdadeira oferta inexiste, caracterizando-se mero convite a fazer a oferta.3.
Essa formulação tradicional da oferta não se adapta à realidade da sociedade de consumo, alicerçada no anonimato dos sujeitos e na utilização maciça do marketing como técnica de mitigação dos seus efeitos. Não se deve interpretar o vocábulo oferta no CDC em seu sentido clássico, o fenômeno é visto pelo prisma da realidade massificada na sociedade de consumo em que as ofertas não são individualizadas ou cristalinas. A oferta, em tal acepção, é sinônimo de marketing, significando todos os métodos, técnicas e instrumentos que aproximam o consumidor dos produtos e serviços colocados à sua disposição no mercado de consumo. 4.
O Decreto nº 5.903/2006 que regulamenta o CDC e a Lei nº 10.962/2004 define aspectos sobre a oferta e as formas de afixação de preços e de produtos para o consumidor. O art. 2º dispõe que “Os preços de produtos e serviços deverão ser informados adequadamente, de modo a garantir ao consumidor a correção, clareza, precisão, ostensividade e legibilidade das informações prestadas.”
Já a publicidade, sem sombras de dúvidas exerce um papel extremamente relevante no mercado de consumo atualmente, e em função desse papel, o legislador sentiu a necessidade de regula-la. No Brasil, a liberdade de realizar uma publicidade encontra amparo Constitucional nos arts. 170, caput e parágrafo único da Constituição, como atividade econômica regulada pela livre iniciativa, art. 170, IV, pela livre concorrência e pelo princípio da liberdade de expressão previsto nos arts. 5º, IX e 220 da CF. A proteção constitucional da publicidade pode ser vista à partir da proteção à liberdade de expressão, uma vez que, em certa medida, as peças publicitárias consistem em manifestações criativas do intelecto humano.
O art. 30 do CDC estabelece que “toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.”
Dois são os elementos principais em uma publicidade: a difusão e a informação. O primeiro é o elemento material, seu meio de expressão, e o segundo, é seu elemento finalístico.5
Segundo Antônio Herman V. Benjamim o conceito de publicidade é bastante difícil de ser definido. Seguindo a definição do American Association of Advertising Agencies (AAAA) a publicidade seria “qualquer forma paga de apresentação impessoal e promoção tanto de ideias, como de bens ou serviços, por um patrocinador identificado.” 6
Já Lúcia Ancona Lopez de Magalhães Dias, explica que a palavra publicidade está ligada ao termo latim publicus, sentido de propagação geral, como levar a todos. Afirma a autora, que a publicidade pode ser definida como meio de divulgação de produtos e serviços com a finalidade de incentivar seu consumo7
A oferta ou publicidade no CDC também é irretratável, sendo juridicamente irrelevante qualquer atuação posterior do policitante publicitário para limitar ou reorganizar aquilo que foi veiculado. Uma vez que ela tenha atingido o consumidor, passa a ser irretratável, pois cria no consumidor uma expectativa legítima.
O art. 31 do CDC estabelece que “a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.” A doutrina afirma que o art. 31 do CDC reflete o princípio da veracidade. Várias legislações consagram o referido princípio como um dos principais para o controle da publicidade. Nesse sentido, a Diretiva 2006/114/CEE, o Codice Del consumo, da Itália (D. Leg. 206/2005) em seu art. 9, alínea 2, em Portugal, no artigo 10º do Código de Publicidade (Decreto Lei n. 330/90). No Código de Defesa do Consumidor, referências ao princípio da veracidade estão nos arts. 6º, III e IV, 31 e 37, §§ 1º e 3º. Cabe ressaltar que as características da oferta previstas no referido artigo são enumerativas, cabe ao fornecedor informar outros dados que entenda pertinentes.
Dentre os princípios mais importantes da publicidade no Brasil, pode-se apontar o princípio da vinculação da oferta. Tal princípio expresso no art. 30 do referido código, apesar de inserido na seção sobre a oferta, aplica-se igualmente a publicidade, abrangendo todas as formas de manifestação de marketing. A vinculação tem dois efeitos principais: obriga o fornecedor a contratar aquilo que foi ofertado ou anunciado; e integra o contrato para os todos fins. Mesmo que o fornecedor veicule uma informação a latere do anúncio, essa informação vinculará da mesma forma.
A informação só obrigará o fornecedor se a mesma chegar ao conhecimento do consumidor e se for suficientemente precisa. É o que está disposto no art. 31 ao estabelecer que “a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.”
O art. 35 do CDC coloca à disposição do consumidor as seguintes opções: “Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: I – exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; III – rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.”
A doutrina também aponta o princípio da lealdade publicitária que coíbe os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e a utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas, nomes comerciais e signos distintivos que possam causar prejuízos aos consumidores, art. 4º, VI do CDC.
A publicidade no direito brasileiro deve ser identificada. O legislador não aceitou a veiculação de publicidade clandestina nem subliminar. Tal aspecto está atinente ao princípio da identificação da publicidade previsto no caput do art. 36 do CDC que assim disciplina: “A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.” O dispositivo brasileiro foi inspirado no art. 46 do então Projet de Code de La Consommation ao dispor que “La publicité doit pouvir être nettment et instantanément distingueé comme telle.”
A publicidade só é lícita se o consumidor puder identificá-la de forma imediata e facilmente, assim também preceitua o art. 28 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária ao expor que “o anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou meio de veiculação.” O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária consagra o referido princípio no art. 28, ao dispor que “o anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou meio de veiculação.”
Diante, dessas afirmações pergunta-se: É prática abusiva não fornecer o preço dos produtos ou serviços para o consumidor na oferta ou publicidade na internet? O preço inbox ou direct ou no privado é prática abusiva? São essas perguntas que o presente estudo pretende responder.
A OMISSÃO DOS PREÇOS DOS PRODUTOS E SERVIÇOS NA OFERTA OU PUBLICIDADE NAS REDES SOCIAIS
De início é importante salientar que o direito à informação é um direito básico de todo consumidor, previsto no art. 6º, III, que disciplina ser direito do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem, conforme já afirmado anteriormente. Percebe-se que o preço é um aspecto importante da informação dos produtos e serviços.
Além disso, o art. 30 do CDC que trata da oferta e apresentação dos produtos e serviços determina que essa mesma oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. O dispositivo é claro quanto à ostensividade de todas as informações, inclusive o preço, que é uma das principais informações de um produto. As lojas físicas são multadas quando o preço dos produtos não é claro e ostensivo aos consumidores em suas vitrines e gôndolas. O mesmo deve se dar para a publicidade nas redes sociais.
O art. 2º, do Decreto n. 7.962/13, expressa que os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, as seguintes informações: IV – discriminação, no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias, tais como as de entrega ou seguros. Tal determinação também está disposta na Lei n. 10.962/2004, que dispõe sobre a oferta e as formas de afixação de preços de produtos e serviços para o consumidor. O seu art. 2º, I, deixa claro que no comércio eletrônico, a divulgação deve ser ostensiva do preço à vista, junto à imagem do produto ou descrição do serviço, em caracteres facilmente legíveis com tamanho de fonte não inferior a doze.
Ademais, o art. 66 da Lei n. 8.078/90, prevê como crime de consumo fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços, com pena de detenção de três meses a um ano e multa.
Diante desses argumentos, percebe-se claramente que tal prática é abusiva e viola explicitamente direitos básicos e fundamentais dos consumidores desses produtos, já que a informação é direito básico do consumidor. 8
Além disso, evita-se um possível comportamento discriminatório dos fornecedores que podem oferecer produtos com preços diferenciados para consumidores diferentes, é o que tem de denominado de geopricing (alteração do preço de um produto ou serviço de acordo com a localização geográfica do consumidor) e geoblocking (a não oferta daquele produto ao consumidor em função da sua localidade).
Informar o preço ao consumidor de maneira clara e ostensiva coaduna-se com o princípio da transparência que está expresso no art. 4º, caput, da Lei nº 8.078/90.
Transparência significa informação clara, correta e precisa acerca dos produtos e serviços como, por exemplo: a informação acerca da quantidade exata, características, composição, tributos incidentes, preços, formas de pagamento e também sobre os riscos que os mesmos apresentam. O consumidor passou a ser titular de um direito subjetivo à informação, e, por outro lado, o fornecedor passou a ter o dever de informar de forma clara e precisa acerca de todas as características dos produtos ou serviços, art. 6º, III e 46 do CDC. 9
CONCLUSÃO
Conclui-se que a prática corriqueira nas redes sociais em esconder as informações sobre o preço dos produtos e serviços é uma prática ilegal em desacordo com as normas do direito do consumidor.
A informação clara e precisa sobre as diferentes características dos produtos e serviços é direito básico do consumidor para que ele possa exercer o seu direito de escolha. O princípio da transparência exige dos fornecedores um tratamento igualitário entre os consumidores, sem qualquer espécie de discriminação entre eles e para que isso aconteça, os preços devem ser disponibilizados e publicizados para que todos tenham o conhecimento acerca da oferta ou publicidade.
O preço é um dos aspectos mais importantes na decisão da compra e fator definitivo na escolha do produto ou serviço, desse modo sua apresentação deve-se dar da forma mais clara e transparente possível, para isso o mesmo não pode ficar escondido ou ser oferecido quando solicitado
Referências
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1. OLIVEIRA, Júlio Moraes. O CDC e a informação sobre os preços dos produtos nas redes sociais. Disponível em: https://bit.ly/3HI0rKk. Acesso em 15.03.2021.
2. OLIVEIRA, Júlio Moraes. Curso de Direito do Consumidor Completo. 7 ed. Belo Horizonte: D’Plácido Editora. 2021. p. 107.
3. GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código de Defesa do Consumidor, Comentado pelos Autores do anteprojeto. 7. ed. São Paulo: Forense Universitária.p. 229.
4. GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Op. cit. p. 230.
5. OLIVEIRA, Júlio Moraes. Op. Cit. 306.
6. BENJAMIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia Lima, BESSA, Leonardo Roscoe, Manual de Direito do Consumidor.p. 253.
7. DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhães. Publicidade e direito 3 ed. São Paulo. Saraiva, 2018, p. 26.
8. OLIVEIRA, Júlio Moraes. O CDC e a informação sobre os preços dos produtos nas redes sociais. Disponível em: https://bit.ly/3XdnkL8. Acesso em 15.03.2021.
9. OLIVEIRA, Júlio Moraes. Curso de Direito do Consumidor completo. 6 ed. Belo Horizonte: D’Plácido Editora, 2020, p. 143.