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As Revogações e Modificações do Projeto de Revisão e Atualização do Código Civil ao Código de Processo Civil

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Um dos assuntos com maior destaque neste mês foi a entrega do relatório final dos trabalhos da Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil (CJCODCIVIL) ao Senado Federal, iniciado em agosto de 2023. O trabalho foi presidido pelo Ministro Luis Felipe Salomão, com a assistência do Ministro Marco Aurélio Bellizze (Vice-Presidente), relatoria pelo Prof. Flávio Tartuce e pela Profa. Rosa Maria Nery e contou com a colaboração de diversos juristas.

O texto – que não se trata de uma nova codificação, mas de alterações e ampliações à Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2022 – é interessante e apresenta diversas atualizações aos institutos do nosso dia a dia que, pelas transformações operadas nas estruturas da nossa sociedade, não possuem regulamentação legislativa condizente (bem definida, se assim posso pontuar), como as relacionadas aos direitos dos animais e ao direito digital (exemplificativamente).

Existem algumas polêmicas acerca do trabalho desenvolvido, como a necessidade dessa reforma, isso é, se as proposições da Comissão de Juristas não produzirão efeitos contrários aos esperados diante de modificações em institutos do Código Civil que estão em processo de consolidação de entendimentos nas Cortes, e o pouco tempo despendido pela Comissão de Juristas para a apresentação do relatório final, visto que esses pouco mais de oito meses talvez não seriam suficientes para exaurir todas as discussões sobre as matérias apresentadas.

Particularmente, não pretendo tomar partido sobre essas questões; sou um processualista (pelo menos, tento ser) e para não acabar escrevendo besteiras e transmitindo desinformação, prefiro deixar aos cuidados dos meus colegas civilistas.

Sem prejuízo, a ideia desta matéria é apresentar, de forma objetiva, as alterações aparentes dessa proposta legislativa ao Código de Processo Civil, dispostas no art. 10 do relatório, destacando o que mudou, sem adentrar em aspectos técnicos menores relacionados à necessidade de atualizações de institutos positivados do Processo Civil.

Buscarei estabelecer uma ordem. A primeira modificação versa sobre o agente diplomático. Conforme redação atual do Código Civil (art. 77), “o agente diplomático do Brasil, que, citado no estrangeiro, alegar extraterritorialidade sem designar onde tem, no país, o seu domicílio, poderá ser demandado no Distrito Federal ou no último ponto do território brasileiro onde o teve”; essa redação foi alterada para: “o agente diplomático do Brasil tem domicílio legal no último ponto do território brasileiro onde teve aquele domicílio”. Essa alteração ensejou na proposta de criação do art. 24-A do Código de Processo Civil, estabelecendo que “demandado perante tribunal estrangeiro, o agente  diplomático brasileiro que alegar extraterritorialidade, sem designar  onde tem, no país, o seu domicílio, poderá ser citado no Distrito Federal, ou no último ponto do território brasileiro onde o teve”.

O negócio jurídico foi tema significativamente modificado; exemplificativamente, se poderia falar da inclusão da teoria da aparência à situação da representação (art. 116), irrelevância da escusabilidade do erro (art. 138) alterações quanto à invalidade do negócio jurídico (art. 167) etc. Para o Código de Processo Civil, foi incluído parágrafo único no art. 374, dispondo que “ressalvadas as leis especiais, em negócios jurídicos paritários, os fatos especificamente descritos e aceitos pelas partes como verdadeiros, em específica cláusula contratual de negócio jurídico válido e eficaz, não precisam ser provados, salvo se a controvérsia residir exatamente quanto à sua validade ou eficácia”.

Na atual redação do Código de Processo Civil, na admissibilidade e valor da prova testemunhal, o art. 447, § 1º, especifica aqueles que entendem por incapazes. A redação do projeto de edição ao Código Civil apresenta desejo contrário ao do legislador processual, em 2015, ao indicar a revogação de todas as disposições relacionadas à conceituação da incapacidade (§ 1º, I, II, III e IV). Ainda no art. 447 do Código de Processo Civil, no § 2º, houve a substituição do termo “companheiro” por “convivente” e, no § 4º, substitui-se o termo “menores” por “menos de dezoito anos de idade”.

Os procedimentos especiais também foram afetados. Em matéria envolvendo as ações de família, em várias disposições do CPC, o termo separação judicial foi suprimido (arts. 23, III, 53, I, 189, II, § 2º, 693, 731 do CPC), diante do desuso da instituição, especialmente após a promulgação da Emenda Constitucional n. 66/2010 (destituindo-a como requisito para o divórcio). Ainda em matéria de divórcio e extinção consensual, houve a revogação do art. 733, o qual previa que “o divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731”, assim como, no campo da alteração do regime de bens, alterou-se a redação do caput para: “A alteração do regime de bens do casamento ou da união estável, observados os requisitos legais, poderá ser requerida  no âmbito judicial ou extrajudicial, perante o juiz ou o Tabelionato  de Notas, desde que consensual, em pedido assinado por ambos os  cônjuges ou conviventes, e desde que assistidos por advogado ou  defensor público”; por fim, revogaram-se os §§ 1º, 2º e 3 e incluiu-se o § 4º, o qual dispõe sobre a ineficácia retroativa da alteração do regime de bens.

Em matéria de inventário e partilha, as propostas foram no sentido de simplificar o procedimento e investir na sua desjudicialização. Revogaram-se os arts. 610 (disposições gerais) e 639 (colações), esse último, relativo ao art. 2.004 do Código Civil, com o propósito de eliminar o conflito envolvendo o valor de colação dos bens doados. No art. 616 do CPC, legitimidade concorrente, houve a supressão da expressão “companheiro supérstite” por “convivente sobrevivente”, ressaltando a regra da convivência ao tempo da abertura da sucessão. Por fim, modificou-se a ordem da nomeação de inventariante. Atualmente, o testamenteiro é o quinto na ordem de nomeação; com a vigência do texto, passará a ser o primeiro (testamenteiro ou a pessoa indicada pelo testador), seguido pelo (II) cônjuge ou convivente sobrevivente, (III) não havendo cônjuge ou convivente sobrevivente ou se estes não puderem ser nomeados, herdeiro que se achar na posse e na administração do espólio, (IV) qualquer herdeiro, (V) herdeiro criança ou adolescente, por seu representante legal, não se alterando os incisos VI, VII e VIII.

Ainda nos procedimentos especiais, a consignação em pagamento foi modificada com o propósito de estabelecer melhor diálogo entre o Código Civil e o Código de Processo Civil, melhorando a redação do art. 539 para “nos casos previstos em lei, poderão o devedor, credor ou terceiro requerer o cumprimento de obrigação ou de desoneração de responsabilidade sobre a coisa, por consignação  judicial da quantia ou da coisa devida, nos termos seguintes”, assim como, incluindo o § 5º: “tratando-se de prestação de entrega ou devolução de  coisa, na recusa do credor, o devedor desonerar-se-á fazendo o respectivo depósito”, e, no art. 544 (contestação), incluindo o inciso V: “a coisa não foi devolvida no estado em que havia sido entregue”.

Por fim, na tutela e curatela, houve a revogação dos incisos I e II, assim como dos §§ 1º e 2º, do art. 760, o qual também teve o texto do seu caput alterado para: “o tutor ou o curador poderá eximir-se do encargo  no prazo de 5 (cinco) dias contado da intimação para prestar”.

Essas são as disposições do Código de Processo Civil expressamente afetadas com a redação do projeto de edição ao Código Civil. Embora não foi a proposta apresentar considerações bem definidas sobre o que mudou ou foi revogado, visto a ideia de mapear as mudanças para o leitor, não nego que cada alteração apontada merece atenção; aliás, falo em alterações aparentes porquanto entender que com a inserção de novos institutos do Código Civil, o aprimoramento da técnica processual também merecerá atenção para entregar melhores resultados aos jurisdicionados.

Aguardo vocês nas minhas redes sociais (@guilhermechristenmoller) para discorrermos um pouco mais sobre o conteúdo da matéria deste mês e sugestões para as próximas. Vejo vocês em maio.

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