O Brasil ainda precisa de muitos avanços no campo do combate à corrupção em todas as esferas de governo. Além de importantes compromissos internacionais com o aumento da integridade e da ética no ambiente de negócios nacional, a prioridade do enfrentamento à corrupção permeia promessas de campanha e o principal compromisso de todos: com o cidadão brasileiro.
É na tentativa de cumprir com essas promessas ao mercado e ao povo, que no final de 20241, foi publicado o Decreto n. 12.304/2024 e a CGU – Controladoria-Geral da União – divulgou o “Plano de Integridade e Combate à Corrupção – 2025/2027”2 . O primeiro trata de uma integração legislativa entre as regras anticorrupção e as relações público-privadas estabelecidas por intermédio da nova lei de licitações – Lei Federal 14.133/2021 (não mais tão nova assim); o segundo é uma espécie de plano de ação para o combate à corrupção, multiministerial, sob a coordenação da CGU, para o próximo triênio. A presente coluna falará um pouco sobre cada um.
O Decreto n. 12.304/2024 busca regulamentar dispositivos da Lei Federal n. 14.133/2021 (Lei de Licitações) que tratam sobre os Programas de Integridade e seu papel nas empresas e nas relações público-privado. É uma regulamentação que tardou a chegar, por sua importância, mas que é bem-vinda e representa mais um avanço do governo no combate à corrupção.
Insta consignar, por oportuno, que começa a surgir no Brasil um microssistema legal de compliance, tendo como eixo central a Lei Anticorrupção – Lei Federal n. 12.846/2013 – que vem recepcionando novos decretos regulamentadores em mais setores, disciplinando sua aplicabilidade. As relações comerciais no mercado estão cada vez mais complexas, assim, é necessário um arcabouço legislativo que seja igualmente complexo.
Diante disso, entende-se como ponto de partida ideal a abrangência do Decreto n. 12.304/2024, que já é exposta no seu artigo 1º:
“Art. 1º Este Decreto regulamenta, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, o art. 25, § 4º, o art. 60, caput, inciso IV, e o art. 163, parágrafo único, da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, para dispor sobre os parâmetros e a avaliação dos programas de integridade, nas hipóteses de:
I – contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto;
II – desempate entre duas ou mais propostas; e
III – reabilitação de licitante ou contratado.
Parágrafo único. O disposto neste Decreto aplica-se às contratações realizadas por órgãos e entidades da administração pública estadual, distrital e municipal com recursos oriundos de transferências voluntárias da União, e cabe ao ente federativo definir o órgão ou a entidade responsável pela avaliação do programa de integridade.” (sem grifos no original).
Assim, o Decreto se aplica a contratações de grande vulto, afastando sua incidência em contratações de menor valor ou mais simples, basicamente, objetos de Pregão. Essa distinção é importante, porque logo surgirão vozes dizendo que toda e qualquer empresa deve ter um Programa de Integridade, por força do Decreto em questão. Porém, a despeito da importância do compliance, é fundamental que a empresa tenha um porte mínimo para suportar um departamento autônomo compliance, para que valha a pena a absorção do custo no seio da atividade empresarial.
O Programa de Integridade previsto no Decreto muito se assemelha ao modelo genérico do Decreto n. 11.129/2022. Contudo, foi incluído no art. 2º, II, que os Programas de Integridade devem “mitigar os riscos sociais e ambientais decorrentes das atividades da organização, de modo a zelar pela proteção dos direitos humanos”. Dessa forma, o Poder Executivo Federal fez a mesma aproximação proposta por essa coluna, entre o ESG e compliance, criando, agora na forma legislativa, a figura do “compliance ambiental” que, apesar de já circular em textos acadêmicos e ferramentas de gestão, ainda não estava previsto na legislação.
A inclusão do compliance ambiental representa um avanço significativo para o modelo brasileiro de preservação de um meio ambiente equilibrado e adoção de práticas sustentáveis. A ideia é passar a responsabilizar as empresas pelos impactos ambientais da sua atividade e não somente penalizar quando cometido um crime ou infração ambiental3.
Para além da proteção ambiental, o Decreto menciona expressamente “riscos sociais” e a “proteção dos direitos humanos”, elevando a exigência ética das empresas. Agora, o objetivo não é somente um ambiente de negócios justo, lícito e competitivo, mas que as empresas atentem-se a práticas trabalhistas idôneas (por exemplo, não se vincular a atividades dependentes do modelo de escravidão contemporâneo), inclusão social, programas que incentivem contratação de minorias, compromisso da marca com pautas afetas aos direitos humanos e assim por diante.
Outro avanço do Decreto é uma preocupação significativa com que o Programa de Integridade seja efetivamente cumprido e real. Isso decorre do fato que surgiram muitos programas de compliance de fachada ou com existência apenas no “papel”, para o cumprimento da legislação. Dessa forma, não basta redigir folhas e folhas com códigos de conduta, termos de ciência e adesão e redigir atas de reuniões departamentais, para
simular a atuação do setor de compliance. Obviamente, não é muito claro como será feita essa fiscalização, tampouco quais serão as métricas para um “bom” Programa de Integridade, mas o teor do Decreto é um passo a frente em busca de um compliance real.
Do ponto de vista empresarial, verifica-se a adoção de uma lógica de recompensa para as empresas que adotem Programas de Integridade reais e eficientes. Como se denota do art. 4º, II, do Decreto, a existência de um programa de integridade pode ser usada como critério de desempate de licitações. Ainda, o mesmo artigo dispõe que o Programa de Integridade representará uma vantagem no processo de reabilitação da empresa, em caso de punições.
A Controladoria-Geral da União, no meio disso tudo, assume um papel de prevenção e repressão. A atividade de prevenção envolve a capacitação de profissionais para fiscalização e orientação das empresas que licitam com o Poder Público, buscando impedir a prática de ilícitos empresariais no âmbito de contratações de vulto. Ainda, a CGU assume o papel de repressão, avocando para si a responsabilidade pela apuração de ilícitos e aplicação de sanções. Com certeza, nesse último aspecto, surgirão alguns embates entre Ministério Público, Polícia Judiciária, CGU, TCU/TCE’s, que deverão ser mediados pela legislação e o Judiciário.
Dessa feita, vislumbra-se um novo capítulo para o compliance no Brasil, agora de forma mais precisa e voltada para grandes negócios e contratações que envolvam valores financeiros expressivos. Essa observação é importante, porque o apelo “comercial” do compliance levou muitos profissionais a divulgar esse tipo de serviço para empresas de qualquer porte, o que não é o caso. O escopo do compliance é para negócios milionários, em que as chances do ato corruptivo são muito maiores do que uma simples contratação para uma operação tapa-buraco.
Para além da publicação do Decreto, a União, por intermédio da CGU, divulgou o “Plano de Integridade e Combate à Corrupção – 2025/2027”, com compromissos de combate à corrupção para o próximo triênio. Chama a atenção que a CGU tentou desenvolver um documento em que envolveu todos os Ministérios, Agências Reguladoras e alguns órgãos do Governo, demonstrando um esforço interinstitucional do governo para o combate à corrupção.
As medidas de integridade e combate à corrupção foram divididos em 05 eixos: Eixo 1. Controle da Qualidade do Uso dos Recursos Públicos; Eixo 2. Integridade na Relação Estado; Eixo 3. Transparência e Governo Aberto; Eixo 4. Combate à Corrupção; Eixo 5. Fortalecimento Institucional para a Integridade.
Percebe-se, com certa facilidade, que o Governo ampliou a ideia de integridade, não limitando apenas ao combate à corrupção. Por exemplo, a baixa qualidade do uso de
recursos públicos não decorre somente de eventuais desvios, mas, muitas vezes, da falta de técnica do gestor que não adota o melhor modelo de licitação ou que não licita o melhor produto de fato; outro exemplo é dedicar um eixo para a transparência e “Governo Aberto” que sugere um modelo de gestão mais aberto à sociedade civil; o fortalecimento institucional é o próprio amadurecimento democrático do país e não apenas uma questão de uso de recursos públicos.
Então, o manifesto da CGU é muito mais que uma lista de metas e compromissos do governo no combate à corrupção. Na verdade, revela um amadurecimento institucional em que se admite, finalmente, uma visão multidisciplinar da matéria, compreendendo-se que a corrupção, muito mais que uma questão econômica, representa um verdadeiro retrocesso democrático e a precarização das instituições políticas.
Assim, 2025 já começa com novidades interessantes no campo do ESG e compliance, para as quais as empresas devem atentar. O futuro do mercado pertence às empresas que tenham disposição para assumir um compromisso muito maior do que simplesmente a lucratividade para os seus acionistas, contemplando um engajamento definitivo com pautas relacionadas à inclusão social e à preservação do meio ambiente.
Referências
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