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O abandono digital e a responsabilidade civil

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Por estarmos conectados o tempo todo é importante lembrar que as crianças e adolescentes também estão, mas diferentemente de adultos, estes últimos precisam de assistência e supervisão sempre nestes ambientes, caso contrário poderá ser considerado abandono digital.

Para falar sobre abandono digital, é fundamental começarmos tratando do exercício da parentalidade, o qual tem-se implícito o direito/dever de convivência e cuidado, o qual estabelece que cabem aos pais a responsabilidade do acompanhamento de seus filhos desde a concepção até a maioridade, zelando por sua proteção e assumindo a responsabilidade por suas ações, se estas causarem danos a alguém. Este fundamento está expresso no princípio constitucional da paternidade responsável (§ 7º, do Art. 226 da CF).

A importância deste princípio frente ao projeto parental é tamanha, que ele é reprisado, com outras palavras no artigo 229: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.

Neste sentido é acertado afirmar que a responsabilidade parental é decorrente também, do princípio do livre planejamento familiar, visto que o Estado ao transmitindo de forma exclusiva aos pais a liberdade e a responsabilidade no cuidado da criação com seus filhos, intencionalmente se omite na organização do núcleo familiar para repassar integralmente esta responsabilidade aos pais.

O princípio constitucional da paternidade responsável foi o norteador responsável em moldar as demais legislações, como por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente que traduz o mesmo regramento em seus artigos 22 e 33:

Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

Parágrafo único.  A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) (grifos nossos)

Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.

(…)

Também está prescrito no Código Civil em seus dispositivos 1.566, IV1 e 1.634, IX2   a responsabilidade dos pais na criação, bem como as condutas adotadas por seus filhos perante terceiros no artigo 932, I.3

Neste sentido, a paternidade responsável também inclui a assistência material, moral e afetiva aos filhos, pois, como leciona Rodrigo da Cunha Pereira, são todos deveres jurídicos.  Assim, o cuidado e zelo se estendem em todos os ambientes os quais a criança e adolescentes permanece: escolar, doméstico e no digital.

No Digital, a atenção é diversificada, mas não menos importante, dado que crianças e adolescentes têm amplo acesso à internet, fazendo uso para estudo, pesquisa, inclusive lazer, assim, a mera existência de crianças e adolescentes com amplo acesso à internet, merece cuidado redobrado, e é dever de seus responsáveis acompanhar e instruir durante o uso.

A responsabilidade parental dentro da esfera digital tutela principalmente a proteção da intimidade e da privacidade das crianças e adolescentes. Direitos estes com larga proteção legal, seja na Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 227 consagrou a proteção integral da criança e do adolescente, e também o disposto na Convenção sobre os Direitos da Criança.

Da mesma forma, temos o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) que prevê, em seu artigo 17:

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

A vulnerabilidade gerada a partir da exposição indevida durante a infância e adolescência, representam uma ameaça sua à intimidade, vida privada e direito à imagem, como dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a qual reverberará para o futuro.

É imprescindível que os responsáveis ao introduzir as crianças e adolescentes ao mundo digital, devem orientá-los previamente, em relação a como se comportar na rede, a fim de minimizar riscos, seja pela exposição excessiva de dados pessoais ou ainda devido à má utilização.

Uma amostra desta necessária educação é na utilização das redes sociais, concebidas como um atrativo muito sedutor a esta faixa etária, pois, além de encontrar amigos, é possível acompanhar e aproximar-se virtualmente de seus ídolos.

Sendo muito comum, o usuário com imaturidade para a utilização das redes, sentir-se seguro frente a tela de seu smartphone ou de seu computador, sentindo-se protegido por um pseudo escudo de seus atos, sentindo-se invisível, assim conjectura que, devido à forma virtual dos relacionamentos, pode inclusive apresentar um comportamento agressivo, intolerante e antissocial nas redes, sem imaginar os impactos de seus atos para si e para o outro que recebe seus insultos, como é o caso do cyberbullying.

Este tipo de comportamento é típico do usuário despreparado para o ambiente virtual, e deve ser repudiado, sendo dever dos responsáveis legais, antes de aceder o acesso a seus filhos e enteados, ensinar a eles sobre os riscos para si e as consequências, sem deixar de monitorar o comportamento nas redes, a fim de criar um comportamento cibernético civilizado ao usuário mirim desde os primeiros acessos.

Caso o responsável legal não monitore e oriente os “passos digitais” destes, esta omissão caracterizará no “abandono digital”.  Assim, antes da permissão do uso do ambiente digital, é fundamental que os responsáveis ensinem as crianças e adolescentes sobre os perigos do universo online e o cuidado que devem ter na interação com outros usuários, é dever dos pais educar seus filhos para proporcionar a eles a inclusão no mundo cibernético de forma adequada, saudável e segura.

Importante aos pais atentarem-se às páginas acessadas pelos filhos e inteirarem-se dos conteúdos postados ou compartilhados, pois podem ser vítimas de sequestro de dados, extorsão, pedofilia cibernética, inclusive migrando o risco para o mundo real caso as “pegadas digitais” deixadas sejam capazes de possibilitar um fácil acesso a criança e ao adolescente.

E, caso sejam estes internautas mirins sejam autores de atos infracionais na internet, mesmo sem consciência, serão os seus responsáveis legais os diretamente chamados a responder pelo dano causado pelos internautas mirins.

Neste diapasão, Sílvio de Salvo Venosa4 enfatiza que “compete aos pais tornarem seus filhos úteis à sociedade. A atitude dos pais é fundamental para a formação da criança”. E nesta mesma toada, Carlos Alberto Gonçalves5 apresenta que o dever de criação dos pais, para com seus filhos, é de suma importância, seja para prover materialmente, seja para formação moral e de caráter.

A responsabilidade imputada aos pais pelo abandono digital de seus filhos esta pautada na hipótese do descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar, como é o caso de negligência tecnológica, tem-se acarretada a intervenção Estatal, a fim de resguardar os direitos de crianças e adolescentes, tendo como pena máxima aos pais a perda do Poder familiar, conforme for o grau de negligência e o prejuízo suportado pelo filho.

É compreensível que disponibilizar o acesso à internet, é o mesmo de assegurar o direito fundamental à educação, informação, cultura e lazer já assegurados constitucionalmente, e que, o próprio acesso a internet em si, embora ainda não positivado, já se tornou um direito fundamental, sendo de grande importância a sua oferta.

Mas, não basta permitir o acesso a este “direito fundamental” é necessário monitorar as “pegadas digitais” da criança e do adolescente de forma que eles usufruam dos benefícios deste acesso, mas que permaneçam assistidos e integralmente protegidos.

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Fernanda Las Casas

 

Referências

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1. Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: (…) IV – sustento, guarda e educação dos filhos; (…)

2. Art. 1.634.  Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: IX – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

3. Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; (…)

4. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: família. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 358.

5. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 402.

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