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O Dress code nas relações de consumo

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É possível no âmbito das relações de consumo, estabelecer uma vestimenta obrigatória para a frequência em estabelecimentos privados? O Dress code ou código de vestimenta na tradução literal, é o código de se vestir exigido em alguns estabelecimentos, principalmente os noturnos.

O tema gera bastante discussão, já que muitas vezes as proibições podem conter aspectos discriminatórios ou mesmo sexistas.1

De início, é importante ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor não faz menção expressa acerca do assunto. O que se pode extrair do texto legal é que a Constituição Federal proíbe a discriminação de qualquer espécie, art. 5º, caput, já o CDC prevê que é prática abusiva condicionar o fornecimento de produto ou serviço, sem justa causa, bem como recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes, art. 39, I e II. Também é considerado prática abusiva, prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços, conforme inciso IV do artigo já mencionado.

Nesse mesmo sentido, é prática abusiva recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento. Seria então possível um consumidor ser barrado na porta de um estabelecimento simplesmente pela inadequação dos seus trajes ao exigido pelo fornecedor?

A resposta não é tão simples quanto parece. Em primeiro lugar, é necessário ressaltar que trata-se de um estabelecimento privado, ou seja, em princípio, o proprietário desse estabelecimento pode impor regras que sejam de seu interesse, desde que não viole as leis e a Constituição do país. Os critérios para a proibição devem ser claros, objetivos e válidos para todos. Existem muitos estabelecimentos que proíbem a entrada de pessoas com camisas de times de futebol, ou torcida organizada, bermudas, shorts, chinelos, bonés, camisetas regatas, dentre outros. Essa proibição pode fazer sentido em uma casa noturna na qual os proprietários querem manter um padrão mínimo de conduta entre os frequentadores e evitar problemas, mas perde todo sentido num evento à beira mar, no qual as pessoas normalmente trajam essas vestimentas.

Em Belo Horizonte existe inclusive um projeto de lei, aprovado em primeiro turno que quer proibir a entrada de pessoas com camisetas de futebol em eventos com mais de 300 pessoas. É o projeto de Lei nº 1507/2011.

Outro ponto importante, é que a informação sobre o dress code deve ser clara, ostensiva e antecipada conforme preconiza o art. 31 da Lei nº 8.078/90 e art. 6, III, isso é, além de estar prevista nos meios de divulgação do evento, tal proibição deve estar destacada também na entrada no próprio estabelecimento para se evitar maiores constrangimentos.2

O tema é bastante controverso na doutrina existindo entendimentos de que a escolha do traje, por si só já é discriminatória já que alguns tipos de trajes são de acesso restrito a camadas mais abastadas da população.

O presidente da Comissão de Direito do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), Antônio Carlos Efing, explica que um estabelecimento pode indicar normas sobre vestuário como forma de orientar os clientes. “Pessoas não se sentiriam bem se não estivessem no traje”, observa Efing. O problema, para ele, é quando se proíbe a entrada com determinado vestuário. “ Esse tipo de restrição]dá a entender que existe uma orientação [aos funcionários] para restringir a entrada de alguns tipos de pessoa. Isso significa discriminação”, avalia o presidente da Comissão de Direito do Consumidor. Ele cita o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor que veda aos fornecedores de produtos ou serviços “recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento.3

Além disso, normalmente a restrição aos trajes se impõe de uma maneira geral aos homens, já que as mulheres, na maioria das vezes são aceitas com trajes de qualquer natureza. Isso demonstra o aspecto sexista do tema, e, portanto, discriminatório. No caso relatado acima, o consumidor foi barrado de bermuda mas suas acompanhantes de minissaia estariam trajadas de forma adequada, ou mesmo se estivessem de bermuda não teriam sido barradas.

Os critérios subjetivos na análise da vestimenta nunca podem ser aceitos. É comum no país, relatos de pessoas que não conseguem entrar em determinados estabelecimentos por não se adequarem ao critério econômico social, ou mesmo racial do estabelecimento, isso é discriminação pura.4

O certo é que os tribunais, de um modo em geral têm admitido aos estabelecimentos a estipulação de um dress code, desde que a informação, direito indispensável, seja antecipada, objetiva e clara e que essas restrições sejam válidas para todos os frequentadores do estabelecimento, sem qualquer distinção.

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Júlio Moraes Oliveira

 

Referências

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1. Cantor é barrado em balada no Recife por estar de bermuda e diz que ato é machista. Humberto Cavalcanti questionou nas redes sociais motivo de casa noturna em Boa Viagem não se incomodar que mulheres entrem no local com roupas curtas, mas homens sim. Disponível em: http://glo.bo/36WeuO0 Acesso em 25/04/2022.

2. O estabelecimento que informa previamente o tipo de roupa que o cliente deve usar pode barrar quem estiver vestido de forma inadequada. O entendimento é da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que reformou a decisão de primeira instância e negou o pedido de indenização por danos morais a um policial militar. Ele foi impedido de entrar no Botequim São Firmino, na capital mineira. Na decisão, o TJ-MG considerou válida a prova de que existia um cartaz, na porta do bar, determinando o tipo de traje necessário. Para o relator, desembargador José Flávio de Almeida, “a contrariedade policial militar na situação descrita nos autos não caracteriza o direito à reparação por danos morais. O fato ocorrido está incluído nos percalços da vida, tratando-se de meros dissabores aos quais estamos sujeitos no cotidiano”. Disponível em: https://bit.ly/3kkdJS0. Acesso em 25.04.2022.

3. Um restaurante pode impedir alguém de entrar de chinelos?Consumidora de Curitiba ficou indignada ao ser barrada na porta de um estabelecimento por causa do seu tipo de calçado. Disponível em: https://bit.ly/3MBufsY acesso em: 25.04.2022.

4. Barrada na balada. Jovem comemoraria aniversário no Chalezinho, mas foi impedida; ela acredita ter havido preconceito. Disponível em: https://bit.ly/3EQZi1a acesso em: 25.04.2022.

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