O Nanorracismo enquanto arquivo do ódio

O Nanorracismo enquanto arquivo do ódio

racismo

Neste artigo analisaremos a tessitura do racismo — os seus desdobramentos e impactos — enquanto sistema de poder. Não se trata de um diagnóstico, pois compreendemos a importância de retirar da presença do racismo e dos racistas qualquer traço de patologização que tanto blinda ações discriminatórias, quanto naturaliza as organizações de mundo afinadas com a desumanização de corpos racializados. Dessa forma, é importante considerar que a racialização constrói historicamente relações amparadas na violência.

A polissemia do racismo — sua elasticidade que alcança corpos negros em diferentes espaços, acirrando as armadilhas, violências e desautorizações — revela sua tecnicidade enquanto sistema de poder que visa retroalimentar as tensões e hierarquias raciais, tendo como parâmetro a associação bélica entre brancura e humanidade. Para Achille Mbembe (2017), a tecnicidade do racismo pode ser identificada como nanorracismo, isto é, uma forma de construir dinâmicas culturais que pulverizam práticas de violência contra os sujeitos negros. Podemos entender nanorracismo, portanto, como o repositório de terror articulado de forma estética, valorativa, epistêmica e moral, posicionando corpos racializados no limiar da humanidade. Trata-se da construção de uma cultura, de um conjunto de sistemas que se organizam a partir de uma memória colonial e que são nutridos pela detratação pública de sujeitos não-brancos.

O nanorracismo tornou-se o complemento necessário do racismo hidráulico, o dos micro e macrodispositivos jurídico-burocráticos e institucionais, da máquina estatal que fabrica clandestinos e ilegais, que coloca essa gentalha em acampamentos nas periferias das cidade, como se fosse um amontoado de objetos desirmanados, que multiplica com fartura os “sem-papéis” […] O nanorracismo é o racismo tornado cultura e respiração, na sua banalidade e na sua capacidade de se infiltrar nos poros e nas veias da sociedade, numa altura de degenerada lavagem cerebral, de descerebração mecânica e de alienação de massas. (Mbembe, 2017, p. 97)

Essa construção se instala como um arquivo de ódio, uma produção da realidade que se ancora numa “violação repetida” (Achille Mbembe, 2017, p. 96) e que não só ritualiza a brutalidade contra os sujeitos negros, mas impede que as feridas impostas pelos sistemas de degradação possam sarar. Os vestígios do nanorracismo são implícitos e explícitos, pois seu propósito é violentar e, ao mesmo tempo, assegurar que essas violências sejam naturalizadas, não questionadas. A branquitude, enquanto sistema de poder, investe no nanorracismo, pois é por meio dessa tecnologia que se estrutura a realidade político-social comprometida com o aviltamento de corpos racializados. A construção de uma realidade antirracista depende da implosão desse sistema, da denúncia e da adesão real, concreta e ética, de um novo projeto de sociedade que seja, de fato, contracolonial.

 

Referências

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Mbembe, Achille. Políticas da Inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017.

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