Perspectivas em Epigenética Forense

Perspectivas em Epigenética Forense

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Resumo

 A epigenética forense tem emergido como uma área de pesquisa promissora que oferece novas abordagens para a identificação humana e a determinação de características fenotípicas a partir de vestígios biológicos. Este campo se diferencia da genética forense tradicional ao focar nas modificações epigenéticas, como a metilação do DNA, que são herdáveis, mas não alteram a sequência do DNA.

O progresso recente na epigenética forense inclui o desenvolvimento de métodos mais sensíveis e específicos para a análise da metilação do DNA. Técnicas como a PCR quantitativa específica para metilação (qMSP), bissulfito de sódio e sequenciamento de última geração (NGS) têm permitido a detecção de padrões de metilação em pequenas quantidades de DNA, tornando possível a análise de amostras forenses que antes eram consideradas inadequadas.

Introdução

“Em meados dos anos de 1960, já havíamos decifrado a mecânica básica da célula e sabíamos, graças ao “código genético”, de que maneira o alfabeto de quatro letras da sequência de DNA se traduzia no alfabeto de vinte letras das proteínas. O lance seguinte ocorreu na década de 1970, com a introdução de técnicas para manipular o DNA e ler sua sequência de pares de bases. Não estávamos mais fadados a observar dos bastidores a natureza… Novas e extraordinárias perspectivas científicas se abriram: enfrentar doenças genéticas, da fibrose cística ao câncer; revolucionar a justiça criminal com novo métodos de identificação genética, determinando a “impressão digital” mais íntima de cada ser.” (Watson, 2004, In: DNA: O Segredo da Vida, p.13).

O texto acima, extraído do livro publicado por J.D. Watson, um dos cientistas que, juntamente com F. Crick, ajudou a desvendar a estrutura do DNA, mostra como nas últimas décadas o conhecimento sobre a genética permitiu avanços em diversos campos, como nas aplicações na área da justiça (WATSON, 2004). A epigenética é o estudo das mudanças no funcionamento dos genes que não envolvem alterações na sequência do DNA (SIMÔES e SILVA, 2021). Essas mudanças podem afetar a forma como os genes são ativados ou desativados, influenciando o comportamento celular e o desenvolvimento de um organismo. As modificações epigenéticas podem ser causadas por fatores ambientais, comportamentais ou de estilo de vida, e podem ser transmitidas de uma geração para outra, embora sem alterar a sequência genética subjacente. Neste cenário, surge a epigenética forense, a qual está rapidamente se tornando uma ferramenta útil na ciência forense moderna. Com o avanço contínuo das tecnologias e métodos, espera-se que este campo não só complemente a genética forense tradicional, mas também amplie as capacidades de identificação e caracterização de vestígios biológicos em investigações criminais.

Os avanços nesta área incluem o desenvolvimento de métodos mais sensíveis e específicos para a análise dos padrões de metilação do DNA, tornando possível a análise e a interpretação de informações de amostras forenses que antes eram consideradas inadequadas ou pouco informativas (Cáceres-Durán et al., 2023).

Um exemplo desse progresso é a aplicação do sequenciamento de nova geração para mapear metilomas (conjunto completo de modificações de metilação do DNA em um genoma) de amostras forenses, permitindo a identificação de assinaturas epigenéticas específicas que podem ser usadas para determinar a idade cronológica de um indivíduo com uma precisão notável. Além disso, estes demonstraram que é possível diferenciar entre diferentes tipos de células e tecidos com base em seus padrões de metilação, uma capacidade crucial para a análise de misturas de amostras biológicas em cenas de crime.

Metilomas e sua aplicação em genética forense

Em termos mais simples, o metiloma é como um mapa que mostra todos os pontos do nosso DNA onde ocorreu uma marcação específica, chamada metilação. A análise do metiloma tem várias aplicações importantes na ciência forense, incluindo:

  1. Identificação da Idade Cronológica: Estudos têm mostrado que certos padrões de metilação do DNA mudam consistentemente com a idade (Garma e Quintela-Fandino, 2024). Portanto, o perfil de metilação de uma amostra de DNA pode ser usado para estimar a idade cronológica de um indivíduo com uma margem de erro relativamente pequena. Este relógio epigenético (“epigenetic clock”) pode ser útil em investigações criminais para somar informações a perfis de suspeitos ou vítimas desconhecidas.
  2. Determinação da Origem do Tecido: Diferentes tipos de células e tecidos possuem padrões de metilação específicos. Ao analisar esses padrões, os cientistas forenses podem determinar a origem do tecido de uma amostra biológica, como sangue, saliva, sêmen, pele ou cabelo. Isso é essencial para reconstruir cenas de crime e compreender a contribuição de diferentes indivíduos em amostras misturadas (ANTUNES et al., 2015).
  3. Caracterização de Características Fenotípicas: A metilação do DNA está associada a várias características fenotípicas, como exposição a substâncias, doenças, e até mesmo características físicas. Por exemplo, a exposição ao fumo ou a substâncias químicas pode deixar marcas epigenéticas detectáveis. Essas informações podem fornecer pistas adicionais sobre os hábitos e a saúde dos indivíduos envolvidos.
  4. Resolução de Casos Antigos: Em casos antigos onde o DNA tradicional não forneceu informações conclusivas, a análise do metiloma pode revelar novas pistas. Modificações epigenéticas podem persistir por longos períodos, permitindo a identificação de padrões de metilação que eram indetectáveis com técnicas anteriores.
  5. Distinção entre Gêmeos Idênticos: Gêmeos idênticos compartilham a mesma sequência de DNA, tornando-os indistinguíveis por métodos genéticos tradicionais. No entanto, seus metilomas podem diferir devido a fatores ambientais e estilos de vida diferentes, permitindo a discriminação entre eles em investigações forenses.

Conclusão

 O metiloma fornece uma camada adicional de informações que pode ser crucial em investigações criminais. A capacidade de analisar padrões de metilação do DNA permite aos cientistas forenses inferirem dados que não são possíveis através da análise genética tradicional, ampliando significativamente o leque de ferramentas disponíveis para a resolução de crimes. Com o avanço contínuo das tecnologias de sequenciamento e análise epigenética, espera-se que o metiloma se torne cada vez mais integrado ao cotidiano das práticas forenses, especialmente com a possibilidade de uso de inteligência artificial para apoiar na análise de dados.

 

Referências

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Antunes, J., Balamurugan, K., Duncan, G., McCord B. Tissue-Specific DNA Methylation Patterns in Forensic Samples Detected by Pyrosequencing. Methods Mol Biol. 1315:397-409, 2015.

Cáceres-Durán, M.A., de Souza, M.P.M., Cáceres, L.M., Francez, P.A. Rev. Bras. Crimin. Epigenética em ciências forenses. 12(2): 83-90, 2023.

Garma, L.D., Quintela-Fandino, M. Applicability of epigenetic age models to next-generation methylation arrays. Genome Med. 16, 116, 2024.

Watson, J.D. DNA: O segredo da vida. Editora Companhia das Letras. 2004.

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