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Sharenting, (over)sharenting e autoridade parental

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Não é de hoje que pais e responsáveis expõem a imagem e a intimidade de crianças e adolescentes de diversos modos. Se outrora a exposição se limitava a mostrar a todas as visitas os álbuns do bebê, fotos de crescimento e demais fotos que revelam a intimidade do infante, hoje, o modelo de divulgação se tornou muito mais amplo, uma vez que ocorre nas redes sociais. No contexto da sociedade contemporânea a exposição das crianças e adolescentes, por seus responsáveis, nas mídias sociais torna-se um fenômeno que levanta grandes preocupações de juristas e psicólogos.

Qual pai, mãe, ou responsável não quer mostrar para todos os amigos e conhecidos as fotos e vídeos da criança que tanto ama? Aquele vídeo do infante fazendo algo fofo, uma foto engraçada, diversas podem ser as ocasiões. Mostrar o filho é um gesto de carinho e orgulho, uma exposição rotineira e que, em regra, se encontra dentro dos limites da autoridade parental. Todavia, em certos casos, a exposição de tais crianças e adolescentes supera os limites razoáveis, e acaba por causar danos às crianças e adolescentes.

A conduta de expor fotos, vídeos, notícias e demais formas de conteúdo sobre seus filhos nas redes sociais, denomina-se sharenting. A palavra em inglês surge da junção de dos termos share (compartilhar) e parenting (paternidade).1 Há de se destacar que a prática não se restringe aos pais, de forma que tios, amigos e pessoas próximas também podem realiza-la.

A prática do sharenting não consubstancia uma afronta aos direitos das crianças e adolescentes, uma vez que essa exposição se encontra dentro dos limites legais da autoridade parental. Lado outro, em determinadas hipóteses a exposição de tais dados pode se tornar excessiva, é o que a doutrina denomina como (over)sharenting.2

A exposição do nome, imagem e intimidade das crianças e adolescentes ocorre cada vez de modo mais precoce, fotos do ultrassom, a primeira alimentação, primeiro banho, primeiros passos… Em um contexto de uma sociedade hiperconectada tudo é postado nas redes sociais. Nessa perspectiva, aquilo que pode ser considerado como privado é reduzido de modo drástico, haja vista tudo estar publicado nas mídias sociais pelos próprios responsáveis dos infantes.3

Compatibilizar a exposição moderada de conteúdo sobre os filhos nas mídias sociais com a devida proteção do nome, imagem, privacidade e intimidade desses infantes torna-se, cada vez, uma tarefa dificultosa,4 a qual deve ser analisada de modo a não frustrar os direitos de uma, ou de outra parte.

Existir nas redes sociais, hoje, é sinônimo de existir na sociedade, nessa linha de intelecção tudo que está nas redes sociais poderá ser utilizado no futuro da pessoa, seja a seu favor, seja contra. A exposição excessiva se consubstancia como um risco para o desenvolvimento físico e psicológico das crianças e adolescentes, assim como para a formação de sua identidade digital.4

A interpretação sistêmica do texto da Constituição da República de 1988, do Código Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente explicita que o (over)sharenting se traduz como uma modalidade de exercício abusivo da autoridade parental, uma vez que se corporifica muito além dos limites razoáveis de exposição da imagem, nome, intimidade e privacidade, especialmente em se tratando de crianças e adolescentes. O dever de guarda e proteção não deve ser mitigado em nome de uma exposição imoderada e que, em muitos casos, se estabelece contra a vontade das crianças e adolescentes.

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Clayton Douglas Pereira Guimarães

Glayder Daywerth Pereira Guimarães

 

Referências

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1. STEINBERG, Stacey B. Sharenting: Children’s Privacy in the Age of Social Media. Emory Law Journal, v. 66, i.4, 2017, p.839-884. Disponível em: https://bit.ly/3skKbH0. Acesso em: 14 ago. 2021.

2. AFFONSO, Filipe José Medon. (Over)sharenting: a superexposição da imagem e dos dados da criança na internet e o papel da autoridade parental. In: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado Teixeira; DADALTO, Luciana. Autoridade Parental: dilemas e desafios contemporâneos. 2. ed. Indaiatuba: Foco, 2021. [E-book]

3. VERSWIJVELA, Karen; WALRAVEA, Michel; HARDIESA, Kris; HEIRMAN, Wannes. Sharenting, is it a good or a bad thing? Understanding how adolescents think and feel about sharenting on social network sites. Children and Youth Services Review. v. 104, 2019, p. 1-10. Disponível em: https://bit.ly/2UjlmhZ. Acesso em: 14 ago. 2021.

4. MARUM, Mariana Garcia Duarte. O direito à privacidade ameaçado pelo sharenting: podem os pais serem responsabilizados civilmente à luz do direito civil português? 2020. 139 f. Tese (Doutorado em Direito) Universidade de Coimbra. Disponível em: https://bit.ly/3yR9umy. Acesso em: 14 ago. 2021.

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