Tributação e Federalismo: os limites constitucionais reafirmados pelo STF no Tema 816

Tributação e Federalismo: os limites constitucionais reafirmados pelo STF no Tema 816

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A recente conclusão do Tema 816 da repercussão geral, no julgamento do RE 882.461/MG, restabeleceu a clareza das fronteiras constitucionais que delimitam a competência tributária da União e dos municípios. Em 26 de fevereiro de 2025, por maioria e consoante o voto condutor do Ministro Dias Toffoli, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da cobrança de ISS sobre operações de industrialização por encomenda que se inserem em etapas intermediárias do ciclo produtivo de bens destinados à comercialização ou a ulterior industrialização, consolidando o entendimento de que tais operações estão sujeitas, em verdade, ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), cuja instituição é de competência privativa da União, conforme o art. 153, IV, da Constituição Federal.1

O caso paradigmático envolvia uma empresa estabelecida em Contagem (MG), responsável pelo corte e requalificação de chapas de aço fornecidas pelo contratante. Embora a municipalidade entendesse aplicável o subitem 14.05 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003 — que abrange galvanoplastia, corte, recorte, beneficiamento e atividades congêneres —, o STF reconheceu que, quando o bem retorna ao encomendante para prosseguir no processo industrial ou ingressar no comércio, o tratamento conferido pela lei complementar desvirtua a materialidade do ISS e viola a repartição constitucional de competências.

No plano dogmático, a decisão ratifica que o conceito de “serviço”, para fins do art. 156, III, da Constituição Federal, pressupõe uma prestação imaterial consumida pelo tomador. Destarte, se o cerne da atividade consiste na transformação física de mercadoria integrante de uma cadeia industrial, configura-se industrialização, sujeita à disciplina do IPI. A hermenêutica adotada pela Corte Suprema rejeita a expansão infraconstitucional do conceito de serviço e preserva a lógica da não-cumulatividade do sistema tributário, evitando que, sobre o mesmo fato gerador, coexistam ISS e IPI em flagrante bitributação, o que seria manifestamente lesivo ao pacto federativo.

O Tribunal, em sua sabedoria, modulou os efeitos da decisão, visando resguardar a confiança legítima dos contribuintes. Manteve válidos os recolhimentos pretéritos de ISS até a véspera da publicação da ata de julgamento e limitou a 20% as multas moratórias eventualmente exigíveis, sem prejuízo do direito à repetição de indébito nos casos de efetiva superposição com o IPI. Essa opção de temperança reforça a função estabilizadora da jurisdição constitucional, assegurando uma transição equilibrada entre o regime pretérito e a ordem jurídico-tributária ora reafirmada.

Do ponto de vista sistêmico, o precedente projeta segurança jurídica ao ambiente de negócios, pois afasta a incerteza quanto à natureza fiscal de inúmeras operações de beneficiamento, galvanoplastia, pintura, recondicionamento e atividades similares, notadamente nos setores da indústria de base metálica, têxtil e de embalagens. Para a Fazenda Nacional, a recondução da industrialização por encomenda à esfera do IPI representa a preservação da coerência vertical do sistema tributário. Para os municípios, impõe-se a observância da disciplina constitucional que veda a incidência do ISS sobre a circulação de mercadorias. Ademais, há repercussões significativas sobre a contabilidade de estoques, o creditamento do IPI e o planejamento tributário de cadeias produtivas complexas.

Ao reafirmar que a tributação deve obedecer à rigorosa partilha de competências estabelecida nos arts. 153 a 156 da Constituição Federal, o STF não apenas protegeu o contribuinte da dupla incidência tributária, mas, sobretudo, promoveu a racionalidade do sistema e fortaleceu a federação cooperativa idealizada pelo constituinte. A Corte, uma vez mais, atuou como guardiã da arquitetura tributária nacional, repelindo pretensões arrecadatórias que, sob o véu da lei complementar, extrapolam os limites do desenho constitucional. O resultado concretiza o princípio da segurança jurídica, prestigia a legalidade estrita e reafirma que, na tributação das atividades industriais, é a Constituição Federal — e não a ânsia fiscal — que dita as regras do jogo.

 

Referências

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1. Disponível em: link.

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