Dando continuidade ao projeto de investigar a vida e a obra dos grandes processualistas da história, anteriormente, tivemos a oportunidade de recapitular passagens sobre os saudosos Profs. João Bonumá, Nicola Picardi e Piero Calamandrei. Para a matéria deste mês, falaremos sobre Giuseppe Chiovenda, considerado por muitos como um divisor de águas na história do Direito e o fundador do modelo que deu ensejo ao nosso atual Processo Civil.
Giuseppe Chiovenda nasceu em Premosello, comuna de Piemonte norte da Itália, no dia 2 de fevereiro de 1872. Filho de advogado (seu pai, Pietro Chiovenda), cursou Direito na Universidade de Roma, instituição que, mais tarde, viria a ser catedrático. Chiovenda desenvolveu afinidade com o estudo do direito romano, influenciado por Vittorio Scialoja, bem como ao direito tedesco (germânico), inclusive, aos estudos de Adolf Wach.
Após a sua formatura, depois de passar um período em algumas universidade alemãs, abre o seu escritório de advocacia e inicia a sua carreira docente em 1900, quando se inscreveu no concurso para livre docência, na Universidade de Modena. No ano seguinte, é aprovado em concurso para professor de Processo Civil e ordenamento jurídico da Universidade de Parma e, mesmo com esse vínculo, ministra um curso livre, de pós-graduação, na Universidade de Roma. Em 1903, é convidado para lecionar na Universidade de Bolonha. De Bolonha, é transferido à Nápoles, em 1905 e, no ano seguinte, é convidado para ocupar a cátedra da Universidade de Roma, La Sapienza, onde permaneceu até o seu falecimento em 7 de novembro de 1937, em Novara (norte da Itália), durante uma viagem à Milão1.
Entre os motivos que fazem Chiovenda ser aclamado no Processo Civil é a sua proposição sobre a ideia de ação (enquanto direito potestativo conferido pelo Estado), consubstanciando a sua ideia de que a jurisdição pode ser definida como sendo a função pertencente ao Estado que tem por objetivo “a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torna-la, praticamente, efetiva”2.
Embora não seja pacífico3, é majoritário o posicionamento de que Giuseppe Chiovenda teria iniciado, a partir de sua célebre Prolusione di Bologna: L’azione nel sistema dei diritti, em 1903, um novo modelo de pensamento para o Processo Civil, refletido em uma escola processual genuinamente italiana, a qual recebeu o nome, por Francesco Carnelutti4, de sistemática (ou histórico-dogmática)5.
Em síntese, a inquietação central das suas investigações estava em construir conceitos para o processo com a maior precisão possível, preocupando-se com a parte geral do Processo Civil6, bem como com o processo de conhecimento, especialmente sobre a funcionalidade diferenciada do processo de conhecimento para a concretização de resultados diferenciados, isso é, “às diferentes funções processuais correspondem diferentes processos para suas realizações […] a intenção de purificar os processos de modo que cada qual só comporte a sua própria função, própria do momento histórico”7.
Chiovenda, il maestro, não se preocupou em aprofundar o desenvolvimento de assuntos que não fossem relacionados com o processo de conhecimento e com a parte geral do Processo Civil; aliás, Chiovenda é lembrado pela sua precisão com as palavras, desenvolvendo contribuição não tão volumosa (em comparação a Francesco Carnelutti, por exemplo)8, porém, fixando standards do Processo Civil italiano que, ainda hoje, parecem intransponíveis – os temas não avaliados por Chiovenda, foram objeto de estudo de outros grandes nomes do direito italiano, curiosamente, debutados no contexto italiano por muitos dos seus discípulos, como, e exemplificativamente, no processo de execução, por Enrico Tullio Liebman, e no cautelar, por Piero Calamandrei.
Embora o seu repertório de produções bibliográficas não seja extenso, é possível sinalizar três livros que tiveram grande impacto na construção do Processo Civil, (1) Lezioni di diritto processuale civile, (2) Principii di diritto processuale civile e (3) Istituzioni di diritto processuale civile. E, finalizando, entre as várias homenagens dedicadas ao maestro, uma que merece destaque foi a renomeação, no ano de 1959, da sua cidade de nascimento para Premosello-Chiovenda.
Deixo um abraço e aguardo vocês nas minhas redes sociais (@guilhermechristenmoller) para discorrermos um pouco mais sobre o conteúdo da matéria deste mês e sugestões para as próximas. Vejo vocês em agosto.
Referências
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1. TUCCI, José Rogério Cruz e. Giuseppe Chiovenda: vida e obra; contribuição para o estudo do processo civil. São Paulo: Migalhas, 2018.
2. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Tradução de J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1969. v. 2: as relações processuais, a relação processual ordinária de cognição. p. 3.
3. Por todos, a polêmica envolvendo as acusações de Franco Cipriani em: CIPRIANI, Franco. Il 3 febbraio 1903 tra mito e realità. Rivista trimestrale di Diritto e Procedura Civile, v. 57, n. 4, p. 1123-1137, 2003. Sobre os argumentos ácidos deduzidos por Cipriani em seu ensaio, bem como toda a polêmica envolvendo esse tema, recomendamos: CABRAL, Antonio do Passo. Alguns mitos do Processo (I): a contribuição da prolusione de Chiovenda em Bolonha para a teoria da ação. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, n. 51, p. 3-14, 2014.
4. CARNELUTTI, Francesco. Metodi e risultati degli studi sul processo in Italia. Il Foro italiano, v. 64, p. 73-84, 1939. p. 76.
5. RAGONE, Álvaro Pérez. Algunas reflexiones sobre Chiovenda y su legado para Latinoamérica: Laudatio. Revistas IUS ET VERITAS, n. 55, p. 162-175, 2017. p. 165. Também nomeado dessa forma por: MITIDIERO, Daniel. O processualismo e a formação do Código Buzaid. In: Tellini, Denise Estrella; JOBIM, Geraldo Cordeiro; JOBIM, Marco Félix. (Orgs.). Tempestividade e efetividade processual: novos rumos do Processo Civil brasileiro. Caxias do Sul: Plenum, 2010. p. 109-130. p. 113.
6. CAPONI, Remo. Autonomia privata e processo civile: gli accordi processuali. Civil Procedure Review, v. 1, n. 2, p. 42-57, 2010. p. 55.
7. MITIDIERO, Daniel. O processualismo e a formação do Código Buzaid. In: Tellini, Denise Estrella; JOBIM, Geraldo Cordeiro; JOBIM, Marco Félix. (Orgs.). Tempestividade e efetividade processual: novos rumos do Processo Civil brasileiro. Caxias do Sul: Plenum, 2010. p. 109-130. p. 113.
8. Por todos, ver o elogio de: ORLANDO, Vittorio E. La teoria generale del diritto di Francesco Carnelutti. Rivista internazionale di filosofia del diritto, p. 289-329, 1942.