A polêmica liberação de prescrição de medicamentos por farmacêuticos

A polêmica liberação de prescrição de medicamentos por farmacêuticos

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No último dia 17.03.2025, foi publicado no Diário Oficial da União a Resolução CFF n. 05 de 20.02.2025. O Plenário do Conselho Federal de Farmácia (CFF), no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 6º da Lei Federal nº 3.820, de 11 de novembro de 1960, modificada pela Lei Federal nº 9.120, de 26 de outubro de 1995, aprovou essa norma que dispõe sobre o ato de estabelecer o perfil farmacoterapêutico no acompanhamento sistemático do paciente pelo farmacêutico e dá outras providências. O art. 1º dessa resolução dispõe que essa norma visa regulamentar o ato de estabelecer o perfil farmacoterapêutico no acompanhamento sistemático do paciente pelo farmacêutico. Em seu artigo segundo, a mesma norma esclarece que entende-se por estabelecer o perfil farmacoterapêutico o ato de definir, designar, determinar, criar, constituir, fundar, instituir, pôr em vigor, pôr em prática ou formalizar planos farmacoterapêuticos, de forma dinâmica e contínua, de acordo com as necessidades e as variações no estado de saúde do paciente, assegurando a aplicação das melhores práticas fundamentadas em evidências científicas. Além disso, a norma estabelece que o plano farmacoterapêutico é estruturado por intervenções planejadas pelo farmacêutico, com foco na seleção, adição, substituição, ajuste, interrupção e acompanhamento do uso de medicamentos, outras tecnologias em saúde e condutas, visando alcançar resultados terapêuticos específicos e seguros para o paciente. Ademais, o plano farmacoterapêutico pode ser complementado por orientações ao paciente, medidas não farmacológicas, e, quando necessário, o encaminhamento para outros profissionais ou serviços de saúde, visando a integralidade do cuidado e a promoção da saúde.

O ponto mais polêmico dessa resolução vem expresso no art. 3º, ao dispor que para estabelecer o perfil farmacoterapêutico do paciente, o farmacêutico está autorizado a: prescrever medicamentos, incluindo os de venda sob prescrição; renovar prescrições previamente emitidas por outros profissionais de saúde legalmente habilitados; prescrever medicamentos em atendimento à pessoa sob risco de morte iminente. A norma ainda explicita que os medicamentos categorizados sob prescrição somente poderão ser prescritos pelo farmacêutico que possua Registro de Qualificação de Especialista (RQE) em Farmácia Clínica.

A publicação da norma repercutiu em âmbito nacional e vários jornais e revistas passaram a comentar o assunto na última semana.

A norma repercutiu ainda mais nas associações médicas e nos conselhos de medicina de todo os país, sendo objeto de repudia por todos esses órgãos.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) protocolou, no dia 20 de março, ação judicial para anular a Resolução nº 05/2025, publicada pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), que autoriza os farmacêuticos a prescrever medicamentos, incluindo os de venda sob prescrição. O órgão argumenta que o ato do CFF viola a Lei nº 12.842/2013, que estabelece atividades privativas do médico, além de ampliar ilegalmente a competência dos farmacêuticos; reeditar uma medida semelhante já derrubada pelo próprio Judiciário e colocar em risco a saúde da população.

Ainda, nesse mesmo sentido afirmam que os farmacêuticos não têm atribuição legal nem preparação técnica médica para identificar doenças, definir tratamentos e medidas para restabelecer a saúde de pessoas acometidas das mais diversas doenças. “Tal situação, como se demonstra, é claramente causadora de danos à coletividade, podendo gerar prejuízos irremediáveis à saúde pública brasileira”, ressalta, afirmando que os farmacêuticos não têm formação acadêmica e preparo técnico específico para identificação de doenças e determinação de tratamentos eficazes.1

O órgão ainda alegou que em novembro de 2024, a Justiça Federal do Distrito Federal já havia declarado a ilegalidade da Resolução CFF nº 586/2013, que autorizava a prescrição de medicamentos por farmacêuticos, seja com ou sem prévia prescrição médica.

Os órgãos de imprensa realizaram consultas à população que se mostrou dividida sobre os benefícios da medida. Existem argumentos favoráveis e desfavoráveis à prescrição de medicamentos por esses profissionais.

São pontos favoráveis, por exemplo, que os farmacêuticos são profissionais com vasto conhecimento técnico sobre medicamentos, suas interações, efeitos colaterais e dosagens. Isso os torna capacitados para orientar os pacientes de forma segura e eficaz sobre o uso de medicamentos. Ao permitir que os farmacêuticos prescrevam, pode-se otimizar o uso racional de medicamentos, diminuindo a automedicação e melhorando a adesão ao tratamento. Outro aspecto importante é que em áreas com carência de médicos, a atuação do farmacêutico como prescritor pode ampliar o acesso a cuidados de saúde, especialmente em regiões remotas ou em situações de emergência. O farmacêutico pode avaliar sintomas mais simples e indicar tratamentos adequados, aliviando a sobrecarga do sistema de saúde e proporcionando uma resposta mais rápida às necessidades dos pacientes.

Além disso, o farmacêutico poderia desempenhar um papel mais ativo na equipe de saúde, trabalhando de maneira colaborativa com médicos e enfermeiros. A prescrição de medicamentos poderia ser feita de forma conjunta, com cada profissional contribuindo com sua expertise, o que pode resultar em um tratamento mais completo e eficaz para o paciente.

Lado outro, a prescrição de medicamentos exige uma ampla compreensão sobre a fisiologia humana, assunto desenvolvido com mais profundidade nas escolas de medicina, e o diagnóstico e tratamento de doenças, é tradicionalmente responsabilidade dos médicos. A atribuição dessa função aos farmacêuticos poderia gerar um desgaste nas suas competências, desviando o foco de sua formação, que é mais voltada para o conhecimento e controle de medicamentos do que para o diagnóstico de doenças. Embora os farmacêuticos tenham um grande conhecimento sobre medicamentos, eles não possuem a formação clínica necessária para diagnosticar condições médicas de forma precisa. A prescrição de medicamentos sem um diagnóstico adequado poderia resultar em tratamentos inadequados, ineficazes ou até prejudiciais, já que o farmacêutico não tem a competência para identificar a causa de determinados sintomas.

Um dos maiores riscos da prescrição de medicamentos por farmacêuticos é a possibilidade de aumentar o fenômeno da automedicação, uma vez que os pacientes podem buscar soluções rápidas para seus problemas de saúde, sem a devida orientação médica. Mesmo com o conhecimento técnico dos farmacêuticos, há o risco de que as pessoas não sigam corretamente as recomendações, o que poderia levar ao uso inadequado de medicamentos.

Agora, é importante ressaltar que num país com amplos problemas de saúde e acesso a ela, os farmacêuticos já realizam essa atividade mesmo que ilegalmente, é prática corriqueira na vida dos brasileiros. Do ponto de vista do consumidor dos serviços de saúde o ideal era que todos tivessem acesso à consultas, tratamentos e diagnósticos realizados por profissionais médicos, mas infelizmente, a realidade é outra.

Existem lugares nesse país continental que sequer existe um único profissional médico à disposição da população, às vezes é necessário o deslocamento por quilômetros para se conseguir uma consulta médica.

A Constituição Federal em seu artigo 196, dispõe que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Além disso, o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 4º, VII, afirma que a Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos o princípio da racionalização e melhoria dos serviços públicos. Já o art. 6º, X, do CDC dispõe que é direito básico do consumidor, a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. E, por fim, o art. 22, explicita que os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Todos esses dispositivos devem ser conjugados na prestação dos serviços saúde pública e precisam ser analisados no presente caso.

O assunto é bastante polêmico e merece um debate da sociedade acerca do tema já que ela pode ser a beneficiada e prejudicada com a liberação ou proibição.

No dia 31 de março de 2025, a Justiça Federal suspendeu a Referida resolução em decisão liminar. Na sentença, o juiz Federal Alaôr Piacini, entendeu que “Só o médico tem competência técnica, profissional e legal para avaliar uma hipótese diagnóstica e firmar um diagnóstico e o tratamento terapêutico. O balcão de uma farmácia não é o local para se firmar um diagnóstico e tratamento de uma doença, sob pena do exercício ilegal da medicina”

A decisão ainda cabe recurso. Ou seja, o debate está lançado e a cabe agora à sociedade debater o tema de forma séria e responsável em prol do benefício de todos.

 

Referências

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1. CFM entra com ação contra Resolução do CFF que autoriza farmacêuticos a prescrever medicamentos. Acesso: link.

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