Aproveitando os impactos que causaram a produção do filme Marighella, por Wagner Moura, gostaria hoje de mencionar um pouco da história e os atos revolucionários de Carlos Marighella. Em um contexto atual brasileiro que ainda pode-se perceber defensores do regime militar e ataques contra a democracia é preciso se situar no que diz respeito à luta pela retomada do poder soberano do povo hoje constituído e recomposto com a constituição de 1988.
O GOLPE MILITAR
Os direitos trabalhistas e sociais sofreram retrocessos com a implantação da ditadura civil-militar no Brasil em 1964, neste sentido foram suprimidos direitos sociais e individuais.
O golpe de 1º de abril, apoiado pelo imperialismo norte-americano, pelos setores conservadores da alta hierarquia da Igreja Católica, pela burguesia internacional e nacional (industrial e financeira, os grandes proprietários de terras), conteve o avanço das forças populares que vinham num crescente nível de organização e mobilização em torno das lutas pelas reformas de base.1
Ainda é possível destacar que o presidente João Goulart (PTB) desenvolvia um governo voltado para a promoção da justiça social e da soberania nacional, ou seja, a política de valorização dos direitos trabalhistas, de defesa das reformas de base agrária, tributária, urbana, educacional e eleitoral, a independência nas relações exteriores, ainda juntamente com a tentativa de limitar a remessa dos lucros do capital estrangeiro para fora do país, desagradou aos interesses da burguesia brasileira associada à capital imperialista.2
O golpe civil-militar foi a resistência capitalista às possibilidades de reformas e avanços sociais ou o meio de opressão encontrado por Militares com o objetivo de oprimir a população e alcançar o poder. Através da violência, os setores reacionários atuaram com prisões de lideranças, torturas, assassinatos, expulsão de líderes esquerdistas do país e intervenção em sindicatos. Sob o contexto da Guerra Fria e em nome do anticomunismo, as forças reacionárias do país instituiu uma ditadura civil-militar para promover a internacionalização da economia e a reconcentração de renda, poder e propriedade nas mãos de corporações transnacionais, monopólios estatais e privados e grandes latifundiários, aprofundando sua integração com o mercado mundial e suas ligações com o capital financeiro e industrial internacionais.3
Ao tomar posse, o ditador marechal Castelo Branco estabeleceu um regime de completa arbitrariedade. Só nos dois primeiros meses de presidência, com base nos poderes que lhe conferia o artigo 10 do Ato Institucional n. 1, “ele cassou os direitos políticos de 37 pessoas, entre as quais três ex-presidentes, seis governadores estaduais e 55 membros do Congresso Nacional. Dez mil funcionários públicos foram demitidos e cerca de 5 mil inquéritos sumários que envolveram 40 mil pessoas foram abertos”.4
A ditadura civil-militar atuou radicalmente para barrar as pretensões de conquistas econômicas e sociais do governo João Goulart. A primeira medida do governo de Castelo Branco foi revogar a Lei de Remessa de Lucros, que impedia as empresas estrangeiras de fazer remessas de lucros exageradas para o exterior. Ele estabeleceu o arrocho salarial, revogou o decreto que desapropriava terra às margens das estradas para a reforma agrária, revogou a nacionalização das refinarias particulares e o decreto que congelava os aluguéis, restringiu o crédito às pequenas e médias empresas, deu as mais amplas garantias ao capital estadunidense que foram estabelecidas pelo Acordo de Garantia dos Investimentos Norte-Americanos no Brasil.5
Viu-se portanto, a necessidade de se colocar a luta para a garantia de seus direitos e reivindicação dos mesmo. Marighella compreendeu que os brasileiros estavam diante de uma alternativa. Ou resistiriam à situação criada com o golpe de 1.º de abril, ou se conformariam com ela. O conformismo os levaria à morte e humilhações sem fim. Era preciso a seu modo amargar o espezinhamento ante os Inquéritos Policiais Militares (IPMs) e seus inquisidores-chefes.6
MAS AFINAL QUEM FOI CARLOS MARIGHELLA?
Carlos Marighella foi um dos principais organizadores da luta armada contra a ditadura no Brasil. Comunista, Marxista, Guerrilheiro, Escritor e Político. Marighella foi expulso do PCB7 por divergências políticas. E ainda em Cuba, e poucos dias após a morte de Guevara na Bolívia, publica “Algumas Questões Sobre a Guerrilha no Brasil”, texto que seria divulgado pelo Jornal do Brasil em 1968. Nele reafirma a essência da Declaração Geral da OLAS8 e deixa claro que a luta armada no Brasil tomaria necessariamente contornos próprios, rebatendo a teoria do “foco guerrilheiro”.9
Assim, Marighella retornou ao Brasil em fins de 1967 e, nos meses seguintes, o PCB foi sacudido por uma cisão que o atingiu de cima a baixo. Desde 1966, então, se intensificou a luta interna no PCB e os militantes que divergiam da política do Comitê Central se aglutinavam em torno de dirigentes como Marighella, Mário Alves e Câmara Ferreira.10
A ruptura com o PCB em 1967 teve proporções ignoradas por muitos: dos 37 delegados escolhidos como representantes das bases do PCB em S. Paulo para participarem da Conferência Estadual do Partido, realizada em maio de 1967 em Campinas, nada menos que 33 se alinham às teses defendidas por Marighella, o que por si só atesta a penetração de suas idéias junto a seus camaradas. A maior parte das bases operárias e o setor estudantil do Partido rompem com o Comitê Central e se aproximam, em seguida, de Marighella. Mas a cisão não atingiu apenas o Estado de São Paulo: numerosas bases do Partido no campo e em vários outros Estados rompem com a direção oficial. No Rio de Janeiro, em proporções semelhantes a São Paulo, Mário Alves dirige a dissidência que daria origem ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Divergências de ordem teórica impedem, no entanto, que Marighella e Mário Alves permaneçam juntos numa mesma organização. O primeiro parte imediatamente para a ação e, em fevereiro de 1968, surge o “Pronunciamento do Agrupamento Comunista de São Paulo”, em que Marighella expõe os motivos do rompimento com o PCB e anuncia a formação de uma organização disposta a dar início imediatamente às ações políticas armadas. A organização formada, que mais tarde adotaria o nome ALN, tem à testa Marighella e Câmara Ferreira e já em 1968 dá início às primeiras operações de guerrilha urbana, nas quais Marighella toma parte pessoalmente.
A figura de Marighella envolve paixões, como pela soberania do povo, e ódio declarado à veneração acrítica e simpatia discreta e muitos outros em relação ao regime militar. Só mais tarde será possível compreender com mais objetividade seu papel, da mesma forma que, é de grande validade lembrar figuras históricas como Tiradentes e Frei Caneca, que não foram compreendidas, no seu tempo, em sua magnitude exata.11
Anos após a morte de Marighella, o Brasil ainda vive uma situação política bastante complexa, mas sua participação foi importante para a derrubada do regime militar, de modo que a constituição possa garantir que não há a menor possibilidade de retomada militar.
O nome de Marighella teve importância em toda discussão que se pretendia realizar na avaliação do período ainda nos dias atuais. Sua luta é sem dúvida fundamental para o estudo do processo histórico.12 O contexto Marxista em sua trajetória é percebido em diversos dos seus atos. Em suas próprias palavras sobre sua resistência à prisão, destaca-se que:
Como já é sabido, um dos objetivos que visei reagindo à prisão foi trazer à luz a posição do marxismo ante a liberdade. Os ideólogos das classes dominantes, interessados no retrocesso do país, vêm apregoando, sistemática e propositadamente, que o marxismo é a renúncia à liberdade. Ou, por outra, querem fazer crer que o marxismo e a liberdade são polos opostos, em conflito permanente. Nada melhor que o golpe de 1.º de abril para demonstrar que os que combatem o marxismo com a arma da supressão das liberdades não têm a menor autoridade moral para insinuar o pretenso conflito entre o marxismo e a liberdade.13
Neste sentido, a retomada da democracia se deve muito a participantes como Carlos Marighella. Compreender o contexto é parte de ser um cidadão brasileiro ativo e defensor da democracia. É principalmente lutar para que não se instaure o caos mediante o contexto político atual, o qual se atenta contra os termos da constituição, e ainda sustentar o lado humano da força.
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Referências
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1. GUISONI, Divo. Livro Negro Da Ditadura Militar. São Paulo: Anita Garibaldi, 2014, p. 28.
2. GUISONI, Divo. Livro Negro Da Ditadura Militar. São Paulo: Anita Garibaldi, 2014, p. 28.
3. PETRAS, James. Neoliberalismo: América Latina, Estados Unidos e Europa. Blumenau: Furb, 1999, apud GUISONI, Divo. Livro Negro Da Ditadura Militar. São Paulo: Anita Garibaldi, 2014, p. 28.
4. GUISONI, Divo. Livro Negro Da Ditadura Militar. São Paulo: Anita Garibaldi, 2014, p. 28.
5. LARA, Ricardo; DA SILVA, Mauri Antônio. A ditadura civil-militar de 1964: os impactos de longa duração nos direitos trabalhistas e sociais no Brasil. Serviço Social & Sociedade. São Paulo, n. 122, 2015, p. 277-278.
6. ESCRITOS de Carlos Marighella. São Paulo: Editorial Livramento, 1979, p. 9.
7. Partido Comunista Brasileiro, embora diversas forças políticas e parte da imprensa brasileira tivessem defendido a existência legal do PCB, em 7 de maio de 1947, por três votos a dois, o TSE cassou a legenda comunista (RICARDO DA SILVA, Heber. A democracia ameaçada: repressão política e a cassação do PCB na transição democrática brasileira (1945-1948). Revista Histórica Online. n. 39, 2009. Disponível em: https://bit.ly/3mWfree. Acesso em: 08 nov. 2021).
8. Entre 31 de julho e 10 de agosto de 1967, aconteceu em Cuba a Conferência da Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), que significou, em certa medida, uma tentativa por parte dos cubanos de se tornarem um centro revolucionário no continente. Entre outras formulações, a OLAS criticou a política defendida pelos partidos comunistas e indicou a luta guerrilheira como estratégia adequada para a maior parte dos países latino-americanos, proclamando que o dever de todo revolucionário era o de “fazer a revolução” (SALES, Jean Rodrigues. A Ação Libertadora Nacional, a revolução cubana e a luta armada no Brasil. Revista Tempo. v. 14, n. 27, 2009, p. 206. Disponível em: https://bit.ly/3mVBcuS. Acesso em: 08 nov. 2021).
9. ESCRITOS de Carlos Marighella. São Paulo: Editorial Livramento, 1979, p. 8.
10. ESCRITOS de Carlos Marighella. São Paulo: Editorial Livramento, 1979, p. 8.
11. ESCRITOS de Carlos Marighella. São Paulo: Editorial Livramento, 1979, p. 8.
12. ESCRITOS de Carlos Marighella. São Paulo: Editorial Livramento, 1979, p. 8.
13. ESCRITOS de Carlos Marighella. São Paulo: Editorial Livramento, 1979, p. 13.