A imprescindibilidade do alinhamento entre o ESG e compliance

A imprescindibilidade do alinhamento entre o ESG e compliance

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A presente coluna já tratou de muitos temas relacionados ao ESG e compliance.1 Porém, com quase três anos de artigos publicados, ainda não se falou sobre a necessidade do alinhamento entre os departamentos de ESG e compliance, para uma boa saúde empresarial.

Primeiro, um aparte preliminar necessário: o compliance iniciou como uma medida AML – anti-money laudering, ou seja, uma ferramenta de combate à lavagem de dinheiro (principalmente) e corrupção. É disso que advêm as práticas daí decorrentes, tais como: KYC – know your costumer/cliente (conheça seu cliente); KYS – know yor supplier (conheça seu fornecedor); KYE – know your employee (conheça seu empregado), e assim por diante. Portanto, se estabeleceu uma cultura em que a base do compliance é informação e responsabilidade.

Por exemplo: é fundamental que a empresa conheça seu fornecedor, para que tenha total ciência de que ele não esteja envolvido em práticas ilícitas, que não manuseie dinheiro lavado, para que depois a empresa tomadora do serviço ou produto não possa alegar que desconhecia essas práticas; é fundamental que a empresa conheça seu cliente, para se ter certeza que ele não está utilizando do produto fornecido para lavagem de dinheiro (o setor bancário é bem suscetível a esse tipo de situação); a empresa, ainda, deve conhecer seus empregados, para se ter certeza que os mesmos não estejam envolvidos em práticas ilícitas e causem futuros prejuízos à empresa, seja de impacto financeiro, seja de impacto à imagem da corporação.

Dessa forma, a partir dos exemplos acima, o compliance foi concebido como um sistema muito hermético de prevenção à corrupção e lavagem de capitais. Todavia, pela própria complexidade social e o pelo desejo de muitas consultorias de fornecer um serviço mais abrangente e com mais valor agregado, o compliance foi expandido para outros setores da atividade empresarial.

Foi assim que surgiu: o compliance trabalhista; o compliance ambiental; o compliance do consumidor; o compliance de dados; e muitos outros exemplos que podem ser considerados. Como trato em meu livro, os “Programas de Compliance na Realidade do Direito Penal Brasileiro”, publicado pela Editora CRV,2 o compliance tem origem num neologismo derivado do verbo inglês to comply que, em tradução livre, significa “agir em conformidade”. Assim sendo, compliance significa “agir em conformidade com a Lei ou outros instrumentos normativos e regulatórios”.

Aqui então surge um paradoxo, visto que compliance trabalhista não é algo com uma existência própria ou que seja uma grande novidade, porquanto a Lei deve ser obedecida desde sempre. Dessa forma, o compliance seria medidas além da legislação, que assegurem o cumprimento da Lei, no quesito de prevenir e coibir práticas de lavagem de dinheiro e corrupção.

Sempre resguardei uma certa implicância, portanto, com quem fazia essa expansão do compliance para outros setores jurídicos. Contudo, após esses anos produzindo textos nessa coluna, é quase inegável a existência de uma sinergia entre o compliance e o ESG,3 em que assim pode ser feita essa extensão.

O compliance acaba estabelecendo as diretrizes éticas sob as quais toda a empresa deve atuar, sempre lembrando que um dos principais pilares do compliance é o comprometimento da alta direção. Para além do Norte ético da corporação, o compliance terá toda uma estrutura para o seu funcionamento, chamado no Brasil de Programa de Integridade, conforme Decreto n. 11.129/2022,4 com vários dispositivos para que o setor funcione.

Então, no aspecto da governança, o compliance está diretamente vinculado. A empresa deverá instituir um Código de Ética, juntamente com um Código de Procedimento para a Aplicação de eventuais sanções a empregados e direção pelo descumprimento do regramento ético. Uma vez criada essa estrutura, ela deverá ter uma existência material, com comitês, pessoas responsáveis pela instrução dos procedimentos, canais de denúncias, enfim, tudo que for necessário para cumprir esses regramentos.

Obviamente, ao tratar-se de um Código de Ética não pode ser limitado somente a questões de governança corporativa e fluxos financeiros internos. Os regramentos éticos de uma corporação atingem questões que vão desde o comportamento de empregados até a coibição de práticas racistas e de violência de gênero no ambiente de trabalho. Por consequência, isso faz com que o compliance avance sobre o eixo “S”, do ponto de vista social do ambiente de trabalho.

Uma vez feito esse avanço, é indispensável a existência de um compliance trabalhista, porquanto vai chegar um momento em que vai ser necessário responder algumas perguntas: essa conduta que violou o Código de Ética da empresa admite justa causa? Existe alguma margem de tolerância a essa conduta? Essa resposta o compliance não vai fornecer, porque não cabe a ele, são as regras do direito do trabalho que definem quando é cabível uma punição ao empregado.

Ainda no eixo ‘S’ vislumbra-se a necessidade de capacitação e treinamento, tanto de gestores quanto de empregados. É imprescindível que, desde o primeiro momento, o gestor esteja comprometido e preparado para que as determinações do departamento de compliance sejam integralmente cumpridas e respeitadas.

Então, talvez não exista, de fato, um compliance trabalhista, mas um Programa de Integridade não tem como funcionar sem o domínio das regras atinentes ao Direito do Trabalho.

A mesma lógica se aplica ao diálogo entre compliance e o eixo ‘E’, environmental – meio ambiente –, visto que também se trata de saber se seu fornecedor, cliente, empregado, investidor e outras figuras empresarias, cumprem com as regras, não somente ambientais, mas também de sustentabilidade. Importante referir que atender à legislação ambiental não é suficiente, visto que o conceito de sustentabilidade abrange práticas que transcendem a simples proteção do meio ambiente e exige condutas e atividades para a preservação e recuperação da natureza.

Então, apesar de o compliance observar somente a Lei, é possível que se estenda para que se exija que as figuras com as quais a empresa se relacione adotem práticas de sustentabilidade, por exemplo: logística reversa, uma empresa do setor de transportes pode exigir que o fornecedor de pneus (utilizados em seus caminhões), recolha os pneus usados e dê uma destinação ambientalmente correta; outra forma é exigir que as empresas adotem alguma fonte de energia renovável; ainda, oferecer aos clientes a possibilidade de compra de um produto cuja a produção gere menos impacto ambiental. Assim, além de se estimular o cumprimento da Lei, tais práticas podem melhorar a imagem da empresa e trazê-la para o Século XXI, momento no qual é tão importante a preservação ambiental.

Enfim, contemporaneamente, com a complexidade da própria sociedade e economia, que demandam uma visão totalmente holística da convivência em comunidade, não faz mais sentido considerar o compliance e o ESG como setores distintos e hermeticamente separados. O diálogo das fontes não é somente admissível como deve ser estimulado, para um futuro de empresas mais éticas e efetivamente comprometidas com o desenvolvimento sustentável.

Referências

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1. Disponível em: link.

2. Para uma compreensão mais completa sobre o compliance no sistema legal pátrio ver: GONÇALVES, Marcelo. Os Programas de Compliance na Realidade do Direito Penal Brasileiro. 1. ed. CURITIBA: EDITORA CRV, 2021.

3. Disponível em: link.

4. Disponível em: link.

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