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Afinal, o que é o Direito?

estátua justiça

A pergunta que dá título ao presente texto, já me acompanha há uns bons anos. Desde o início da graduação a indagação acerca do sentido do Direito é algo que se coloca como abertura para conhecer o cenário jurídico em seus mais diversos ramos.

Lembro-me como se fosse hoje, de um documentário apresentado em sala de aula, na disciplina Introdução a Ciência Jurídica, no qual era feita tal pergunta a populares. As respostas ainda que variassem, acabavam por convergir na acepção daquilo que é tido como o certo, no que é correto, naquilo que é de direito, que é justo. Assim como os entrevistados, enquanto leigo que era, apreendi em um primeiro momento, o Direito idealizado, pautado na visão romântica e abstrata de justiça.

Com o transcorrer do curso, a pergunta foi-se amoldando a novas experiências e consequentemente novas perspectivas, ficando, contudo, cada vez mais difícil de ser respondida, à medida que o estudo se alargava. Passando pelos gregos, depois os romanos, pela idade média, pelas escolas historicistas e fenomenológicas, pelo direito autopoiético e o direito enquanto conhecimento pautado e estabelecido pelos princípios, fui notando tamanha complexidade dessa ciência humana.

A percepção simplista de um conjunto de regras dirigidas a nortear o convívio social e a formatar comportamentos foi ganhando contornos ao longo de todo o processo, tornando-se cada vez mais claro que para a pergunta, não há uma resposta, ou ao menos não apenas uma.

Ao se ter em conta que a ciência jurídica é um emaranhado de signos, significantes e significados, passei a percebê-lo como externalização e exposição da linguagem. O Direito é antes de tudo linguagem, objeto comunicativo que se presta a fornecer horizontes de sentido, seja para ações, omissões, pretensões e direitos aos indivíduos que se relacionam em sociedade. A sociedade é por sua vez, o quadro em que a ordem jurídica se desenha, na proporção e dimensão das necessidades e expressões dos sujeitos que a compõe. Não à toa, muitos jus-filósofos, como por exemplo Savigny, traçam um panorama de senso normativo desde as primeiras tribos da nossa espécie.

O Direito, ao que parece, sempre foi um produto do seu tempo, na proporção que constitui na bagagem do seu presente, toda a teia interpretativa, cognitiva e pragmática, construída e estruturada. Nesse passo, equivocado é tentar resumi-lo a uma corrente de pensamento ou vir a estabelece-lo sob um dogmatismo ortodoxo ou um subjetivismo arbitrário.

Aliada ao aspecto semiótico e hermenêutico desse campo do conhecimento, a axiologia, ou seja, o aspecto valorativo, também foi se anunciando como parte fundamental do conceito de Direito, sobretudo quando trabalhada a questão teleológica, isto é, finalística e a questão da legitimidade, observada na validade e efetividade conferida pelos cidadãos ao sistema erigido pela juridicidade e pela institucionalidade.

Em que pese o termo valor, ser de difícil delimitação, vindo a ganhar substância pela assimilação humana enquanto sentimento, disciplinas como Introdução a Filosofia e Filosofia do Direito forneceram vasto arcabouço teórico focado em demonstrar quais instâncias estudas na filosofia creditam semântica e coerência as regras direcionadas a disciplinar as condutas individuais e a estabelecer critérios mínimos de convivência e relacionamento entre as pessoas viventes de um mesmo contexto. Dentre elas, cumpre destacar o termo justiça e principalmente a Ética.

A primeira, quando lida a partir dos gregos, já traz em si ponto primordial para a estabilização de todo e qualquer ordenamento jurídico. Ao perfazer-se pela noção de igualdade, não só possibilita mútua assimilação dos sujeitos do regramento que sob eles se impõe, como também os coloca em horizontalidade, isto é, dentro de um mesmo escopo discursivo e de imanência significativa, seja da lei, do costume, ou da tradição que se quer ver efetiva e preservada. A Ética, sob o mesmo passo, remonta aos ensinamentos da antiguidade, e coaduna a noção isonômica, e de igual modo estabelece a ideia de pertencimento. Tanto é verdade que seu sentido etimológico, segundo o que discorre Lima Vaz,1 remete a palavra ethos, a qual permite-se traduzir como casa, morada.

Percebe-se, pois, que o Direito é nessa linha, área do saber e do agir humano, que ultrapassa a análise dogmática de legislações e decisões, sendo também um panorama de vinculação e assimilação do que é certo, do que é justo, do que é de direito. No final das contas, todos nós, em tese, temos ou ao menos deveríamos ter, consciência da resposta à pergunta aqui feita, haja vista ser o conceito de Direito, uma consequência do desenvolvimento cultural, social e civilizatório da espécie humana. Indo além, o Direito é uma necessidade de nós seres humanos, que há muito saímos da bestialidade e passamos a ser e a estar, para citar Heidegger,2 com presença no mundo.

Findo este artigo, não uma com uma plena resposta, mas com a pretensa ideia de alcançar uma terminologia que é tão vasta e que já não mais é passível de ser explicada pela autopoiese jurídica, principalmente por realizar-se, como indicado no presente texto, pela linguagem, pela hermenêutica e pela Filosofia, e por ser um processo em construção de regulação e parametrização das coisas, dos sujeitos e da realidade em que está inserido. Mas afinal, o que é o Direito?
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Felipe Gomes Carvalho

E-mail: felipecarvalho18@outlook.com

 

Referências

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1. LIMA VAZ, Henrique Cláudio. Escritos de Filosofia IV: introdução à Ética Filosófica (vol. 1). São Paulo: Loyola, 1999.

2. HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 10. ed.  Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2015, 598p.

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