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Conceituando a “Cidade”

cidade

Como ponto de partida para o debate que é proposto nesta Coluna, carecemos, inicialmente, de entender alguns conceitos que servirão como chaves para destravar assuntos mais complexos.

O Direito Urbanístico, segundo os ensinamentos de José Afonso da Silva, pode ser entendido sob seu aspecto objetivo, consistente no conjunto de normas jurídicas destinadas a regular as atividades do Poder Público voltadas à ordenação dos espaços de habitação, ou também sob o aspecto científico, que tem como finalidade a sistematização do conhecimento das normas e princípios reguladores das ações urbanísticas.1

E, a partir de seu próprio nome, podemos observar a realidade sobre a qual este ramo do Direito está inserido, o urbanismo. Este, por sua vez, nos remete ao conceito de urb, que, traduzido do Latim, significa “cidade”.

Desta forma, considerando essa ligação existente, este primeiro texto busca trazer ao debate um conceito de “cidade”, a partir do qual possamos direcionar os estudos e temas correlatos à construção do espaço urbano pela sua sociedade.

Muito se especula sobre a origem das primeiras cidades. Hoje, muitos pesquisadores concordam que o surgimento dos primeiros assentamentos humanos permanentes foi intrinsicamente ligado ao desenvolvimento das técnicas agrícolas e à domesticação de algumas espécies de animais.2 Proporcionando assim um aumento populacional concentrado em um menor espaço físico geográfico. Enquanto nossos ancestrais caçadores-coletores viviam de forma nômade, ocupando áreas com até algumas centenas de quilômetros, os primeiros agricultores foram obrigados a limitar sua área de habitação nos entornos dos campos de cultivos de suas plantações e nas pastagens de seus rebanhos.

A partir deste ponto, a própria natureza das atividades laborais agrícolas necessitou de aperfeiçoamento. Pois, com o aumento populacional ocasionado pela certa facilitação na obtenção de recursos, as relações humanas foram, também, se tornando mais complexas e os habitantes destes assentamentos se viam cada vez mais ligados ao pedaço de terra aonde investiam seus esforços.

Contudo, atualmente, não podemos qualificar como uma “cidade” qualquer assentamento humano minimamente organizado, voltado para habitação e produção de recursos de subsistência. Com a evolução das primeiras cidades, ocorreu também a evolução da ordem social. Uma vez que mais e mais humanos com origens e vínculos diferentes se aglomeravam nestes espaços, criou-se, naturalmente, o poder político que assumia o controle e gestão do respectivo território.

Assim, podemos dizer que, de forma superficial, uma “cidade” se caracteriza pelo espaço físico edificado e habitado, com uma organização política e social voltada para a administração do coletivo.

Partindo do ponto de vista da Sociologia Urbana, José Afonso da Silva,3 destaca que o conceito de “cidade” pode ser baseado em três concepções: (i) demográfica, a partir da qual considera-se como cidade o aglomerado urbano com certo número de habitantes, a variar de acordo com as políticas nacionais urbanas dos países; (ii) econômica, no sentido de que a cidade se caracteriza como “localidade de mercado”. Situação em que a população que ocupa determinada localidade é a responsável pelo fornecimento e consumo de uma demanda economicamente essencial dos produtos e serviços ofertados no mercado local; (iii) e, por fim, a concepção de que a “cidade” seria, na verdade, um conjunto de sistemas ou subsistemas administrativos, comerciais, industriais e socioculturais.

Neste último sentido, as cidades se caracterizam como sede das organizações públicas responsáveis pela gestão e governo de sua área e das regiões maiores ao seu entorno, como ponto central do comércio e da atividade industrial do país e também como o espaço apto a proporcionar o desenvolvimento comunitário e social da cultura, educação, recreação e religião.

Cada uma destas três concepções apresentadas nos orientam no entendimento do que podemos considerar com uma “cidade”. As diferenças históricas e culturais existentes entre as nações do planeta permitem que as cidades sejam concebidas e caracterizadas perante cada um deles em conjunto ou separadamente. Por esta razão é crucial que, ao nos depararmos com as desigualdades e problemas urbanos atuais, os estudos urbanísticos levem em consideração, além da técnica científica própria deste ramo, também as peculiaridades da sociedade que integra o espaço urbano.

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Sthenio Paulo Freitas Silva

 

Referências

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1. José Afonso da Silva. Direito Urbanístico Brasileiro. 8ª ed. São Paulo: Malheiros. 2018, p. 37.

2. Yuval Noah Harari. Sapiens: uma breve história da humanidade. v. 1288. Porto Alegre: L&PM, 2020.

3. José Afonso da Silva. Direito Urbanístico Brasileiro. 8ª ed. São Paulo: Malheiros. 2018, p. 24.

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