Créditos fictícios e artigo 137 do CTN: quando o tributo é dívida do fraudador

Créditos fictícios e artigo 137 do CTN: quando o tributo é dívida do fraudador

close-up-business-man-holding-money-us-dollar-bills-hand

O artigo 137 do Código Tributário Nacional (CTN) estabelece uma hipótese de responsabilidade tributária pessoal, imputando ao agente infrator a integralidade do crédito tributário em situações específicas. Essa disposição configura uma exceção relevante no sistema de imputação de obrigações tributárias, que é geralmente caracterizado pela solidariedade ou substituição. A norma abrange casos em que a infração é praticada com dolo específico e em detrimento da pessoa representada, permitindo, assim, que o agente arque individualmente com os encargos tributários decorrentes de sua conduta ilícita.

Embora doutrinariamente bem compreendido, o dispositivo teve, até recentemente, escassa aplicação prática. A dificuldade probatória — especialmente quanto à demonstração do dolo específico — e a tendência dos tribunais em concentrar a responsabilização na figura do contribuinte ordinário, contribuíram para seu desuso. Entretanto, um novo tipo de fraude fiscal vem reacendendo o debate sobre sua aplicabilidade: a comercialização de créditos tributários fraudulentos por intermediários que, sob aparência de legalidade, promovem operações sem respaldo jurídico ou contábil legítimo.

Em casos recentes, empresas ditas “consultoras” têm intermediado a venda de supostos saldos de retenção previdenciária (referentes à Lei nº 8.212/1991), prometendo sua compensação com tributos próprios. A operação é sustentada em pareceres tecnicamente frágeis, que buscam mascarar os créditos como ativos financeiros desvinculados do sistema tributário. Ignora-se, intencionalmente, a vedação expressa à compensação de créditos de terceiros prevista no artigo 74 da Lei nº 9.430/1996. Mais grave: a alegada quitação seria automática, dispensando homologação da Receita Federal, em clara afronta ao sistema de controle administrativo previsto no Código Tributário Nacional.

As consequências são previsíveis: autuações fiscais severas contra os adquirentes de tais “créditos”, cobrança integral dos tributos supostamente compensados, aplicação de multa qualificada e representação penal. Entretanto, ao contrário do que frequentemente ocorre em fraudes tributárias, há evidência de que os adquirentes agiram de boa-fé, confiando em pareceres e garantias contratuais fornecidas pelas consultorias — entre elas, apólices de seguro não renovadas e garantias de valor duvidoso.

Nesse cenário, o artigo 137 do CTN se mostra plenamente aplicável: os intermediários fraudulentos não apenas agiram com dolo específico, mas o fizeram em prejuízo direto das empresas adquirentes e da Fazenda Pública. A responsabilidade deve recair integralmente sobre os agentes fraudadores, que responderão não apenas pela exigência fiscal, mas também pelas sanções acessórias e, eventualmente, pela reparação de danos civis e penais. É imperativo que a responsabilização seja direcionada aos verdadeiros artífices da fraude, a fim de evitar que a Justiça seja burlada e que os adquirentes de boa-fé sejam penalizados indevidamente.

A doutrina corrobora essa leitura. Leandro Paulsen defende que, nas hipóteses descritas no artigo 137, “até mesmo o tributo deve ser exigido exclusivamente do agente”,1 distinguindo essa imputação direta da responsabilidade solidária dos artigos 134 e 135 do CTN. Da mesma forma, Luís Eduardo Schoueri observa que o agente atua em interesse próprio, e não da entidade representada, razão pela qual “é ele, e somente ele, quem responde pela integralidade do crédito tributário”.2

Adotar interpretação distinta seria punir duplamente a vítima: uma vez pela fraude sofrida, outra pelo dever de pagar novamente o tributo supostamente quitado. Além disso, seria abrir perigoso precedente de impunidade, incentivando estruturas que comercializam soluções ilícitas sob a fachada de consultorias técnicas. O direcionamento da pretensão fiscal contra os verdadeiros fraudadores não reduz a arrecadação estatal, apenas orienta corretamente sua exigência contra quem efetivamente violou a lei. É crucial que o sistema jurídico proteja aqueles que, confiando na aparente legalidade das operações, foram lesados por práticas fraudulentas.

A eficácia do crédito tributário, nestas hipóteses, pode e deve ser preservada por meio das ferramentas processuais disponíveis à Fazenda Pública, como a ação cautelar fiscal, as medidas de indisponibilidade patrimonial e os instrumentos penais correlatos, inclusive a perda do produto do crime. A utilização desses instrumentos é fundamental para garantir que os fraudadores não se beneficiem de seus atos ilícitos e que a Fazenda Pública seja devidamente ressarcida.

Diante desse panorama, a responsabilização exclusiva dos fraudadores — nos termos do artigo 137 — não é apenas juridicamente acertada, mas socialmente necessária. Preserva a confiança nas relações jurídicas, desestimula condutas ilícitas e reafirma o compromisso do ordenamento com a justiça fiscal e a segurança jurídica.

 

Referências

____________________

1. PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

2. SCHOUÉRI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

 

Compartilhe nas Redes Sociais
Anúncio