1. INTRODUÇÃO
No presente século, o mundo experimentou sua Quarta Revolução Industrial, intimamente ligada à transformação digital. Dentre suas principais inovações, podem ser elencadas as máquinas com inteligência artificial, os sistemas de armazenamento em rede e em nuvem e os recursos de operação autônomos, que resultaram na geração massiva de negócios digitais e nas organizações inteligentes. Como consequência, surgiu o conceito de Sociedade 5.0, que propõe a combinação do espaço cibernético com o espaço físico, buscando, com isso, a máxima sinergia entre o humano e o digital, colocando este a serviço daquele.
Esta nova conjuntura repercutiu, inevitavelmente, sobre o Direito, Ciência que tem as relações sociais como campo de investigação por excelência. Surgiram diversas questões impossíveis de serem imaginadas em outras épocas. A biotecnologia, por exemplo, trouxe consigo os impasses apontados pela bioética, alguns deles abordados nos demais capítulos da presente obra. O Direito Digital, por sua vez, emergiu como ramo jurídico disposto a enfrentar problemas relacionados, por exemplo, à colisão de direitos fundamentais, agora potencializada pela convivência das pessoas em ambiente virtual. Assim sendo, cabe destacar que algumas dessas problemáticas são abordadas em outros capítulos deste livro.
Nesse contexto, o presente escrito tem por objetivo enfrentar uma alteração silenciosa de paradigma, viabilizada pelo Código de Processo Civil de 2015, que conferiu às partes maior participação no desenvolvimento da resposta jurisdicional destinada à solução do litígio.
Se o modelo anterior tinha por foco a atuação do magistrado, de modo imposto sobre uma ou ambas as partes, o novo arquétipo atribui maior relevância à participação cooperada entre os jurisdicionados que compõem a relação processual. Neste sentido, compulsando de forma direta a situação em comento, as partes em um processo, seja judicial ou extrajudicial possuem papel interativo e cooperativo conjuntamente com o Sistema de Justiça, não podendo ficar inerte com as relações probatórias que vieram a ser modificadas com o advento do Código de Processo Civil de 2015.
De forma prática, em eventual inércia do Juízo, as partes devem provocar medidas que visam conferir celeridade ao processo judicial, utilizando de práticas como “chamamento do feito à ordem” para que as bases probatórias sejam respeitadas e corretamente utilizadas, evitando, assim, diversas medidas recursais que fatalmente atrasam a marcha processual, criando uma sensação de in- justiça. Tudo isso, em virtude da falta de cultura de provas que permeia nossa sociedade e que é objeto deste capítulo.
Diante do maior protagonismo conferido aos litigantes, forçoso é reconhecer que a produção da prova ganha proeminência no cenário atual, pois consiste no elemento preponderante para a formação do livre convencimento motivado do julgador. E, em uma Sociedade 5.0, a instrução processual recebe novos contornos, vez que alicerçada na aplicação e compreensão das soluções tecnológicas. Em suma, o Direito mudou, não sendo suficiente apenas teses, argumentos e indícios que, muitas vezes, são confundidos com provas, tanto pelo Sistema de valoração de provas (Peritos, Juízes, Desembargadores), quanto pelos próprios advogados e litigantes.
Este abismo de conhecimento encontrado no Sistema de Justiça brasileiro pode e deve ser modificado com o conhecimento de que indícios não condenam, provas tem que ser admissíveis e que não basta conhecimento jurídico para lograr êxito em um contencioso judicial. Neste sentido, a solução eficaz é trazer conhecimento de práticas internacionais de formação e admissibilidade de rol probatório ao sistema brasileiro, modificando procedimentos desde a origem do processo, o que, na prática, é trazer expertise técnica antes do ingresso da ação ou durante seu curso, mas como medida antecipativa da Perícia Judicial, não deixando à revelia do Judiciário as nomeações, que podem não atender aos requisitos de cada demanda.
Existe aqui uma grande barreira cultural do Judiciário, pois este tem que no- mear Experts em assuntos que são alheios ao conhecimento jurídico e muitas vezes requisitam peritos multidisciplinares. Além disso, os advogados têm sua formação calcada em discussões doutrinárias, o que reforça o foco deles em teses e não na base probatória.
Outrossim, a consciência quanto à relevância da função da prova também não é de conhecimento dos jurisdicionados, tanto pela desinformação quanto pela falta de informação repassada aos mesmos sobre a gestão de riscos do pro- cesso, afinal sem provas ou com baixo conhecimento acerca, notadamente o risco processual é majorado, ocasionando a sensação geral de injustiça, ainda que o cenário fático seja altamente contundente para algum dos litigantes.
Detalhando melhor, os cidadãos dispõem de fatos, possuem razão, mas a falta de admissibilidade das provas, de lastro técnico e de valoração e condensamento destas em dossiê compreensível por leigos, acaba por trazer ao processo judicial uma insegurança, que, muitas vezes, nem o advogado do processo consegue enxergar. Tal contexto, ocasiona dizeres dos operadores do Direito como: “não entendo como o Juízo não condenou” ou “não compreendo como o perito não atestou o óbvio”, trazendo assim os contornos da novamente citada sensação de in- justiça que nos permeia cotidianamente.
Contudo, para efetivação dessa nova orientação, deve ser reconhecida a dificuldade imposta por uma cultura centrada na atuação do magistrado e no debate fundado em teses doutrinárias e argumentos de autoridade. Nesse contexto, o atual Código de Processo Civil oferece a oportunidade para a alteração de tal paradigma, ao conferir maior protagonismo às partes, que agora podem cumprir melhor o ônus processual da produção da prova.
Daí porque, no presente texto, também far-se-á um paralelo entre o sistema brasileiro e o norte-americano, no qual a ênfase da produção probatória recai sobre os litigantes a tal ponto que, até mesmo para a admissibilidade da apreciação da demanda por uma corte, torna-se indispensável a apresentação e a avaliação do manancial de provas pelas partes, demonstrando assim que o nosso sistema pode compreender e aplicar procedimentos mais atuais sem ter que modificar as normas que regulam o processo judicial.
2. SOCIEDADE 5.0: COMO CHEGAMOS ATÉ ELA E SEU IMPACTO SOBRE O DIREITO PROCESSUAL
A noção de Sociedade 5.0 consiste em uma forma de perceber a nova etapa de desenvolvimento social e econômico mundial e foi proposta pelo governo japonês em 2016, no documento “5º Plano Básico de Ciência e Tecnologia”.
No referido relatório, foram arroladas as diretrizes para transição do planeta para uma sociedade superinteligente. Nesta, o desenvolvimento econômico e o equacionamento de problemas sociais se complementam, almejando a construção de uma sociedade ‘pessoacêntrica’ ou ‘humanocêntrica’, calcada na evolução tecnológica como principal meio de se alcançar tal objetivo (Deguchi; Kamimura, 2020; Fukuda, 2020; Rojas et. al., 2021; Huang et. al., 2022).
Ela pode ser definida da seguinte forma:
O objetivo da Sociedade 5.0 é [a construção de] uma sociedade humanocêntrica superinteligente para garantir que todos os cidadãos possam ter acesso a vidas de elevada qualidade repletas de conforto e vitalidade ao prover os bens e serviços necessários para pessoas individuais ao nível necessário, quando preciso, através da fusão entre ciberespaço e espaço físico […] (Hu- ang et. al., 2022, p. 425, tradução nossa).
Para bem compreender o percurso cognitivo transcorrido até se chegar ao postulado da tecnologia como instrumento a serviço da plena realização das necessidades humanas, torna-se necessário recorrer à história da evolução socioeconômica da humanidade.
Sob o viés econômico, vislumbram-se quatro revoluções industriais até o momento. A primeira Revolução Industrial (1780) durou cerca de 200 anos e revelou os motores a vapor utilizados, inicialmente, na produção de tecidos. A segunda aconteceu por volta de 100 anos depois e ficou fortemente marcada pelo processo de linha de produção contínua, bem representados pelo fordismo e pelo taylorismo. A terceira, por sua vez, iniciou-se no final da década de 1960 e ficou conhecida por revelar o primeiro controlador lógico programável que permitiu a programação digital de sistemas de automação.
Por fim, a Revolução Industrial 4.0 exsurge da integração de diversas tecnologias avançadas no ambiente de produção, “favorecendo novos valores e serviços para os clientes e para a própria empresa”. Devido a suas inovações, apresenta a capacidade de aumentar a flexibilidade e qualidade dos sistemas produtivos, pois atende à demanda por novos e inovadores modelos de negócios, possibilitando serviços mais ágeis (Khan e Turowski, 2016).
No quadro abaixo, são elencadas algumas das tecnologias avançadas da indústria 4.0:
Magalhães e Vendramini (2018)
Sob esta perspectiva, torna-se interessante traçar um paralelo entre a evolução industrial baseada em avanços de técnicas e suas repercussões sobre a sociedade. Isso porque, conforme observam Rojas et al (2021) “durante a transição de um modelo de sociedade para o outro, as mudanças ocorrem em todos os níveis sociais, por esta razão, a mudança social é, geralmente, subsequente a revoluções industrias”1.
Ao associar a evolução da indústria e suas consequentes transformações sociais, os autores evidenciam as seguintes fases de desenvolvimento socioeconômico: a Sociedade 1.0 ou nômade corresponde àquela relacionada à coleta de frutos no geral e à caça de animais (indústria 1.0); a Sociedade 2.0 ou agrícola remete aos assentamentos humanos na forma de plantios e algum escambo (indústria 2.0); a Sociedade 3.0 ou industrial é marcada pela produção em massa de bens através de processos mecanizados e/ou automatizados, bem como a diversificação de fontes de energia (a vapor, elétrica e a combustão) e de meios de transporte (indústria 3.0); a Sociedade 4.0 se distingue pela dominância da in- formação em diferentes esferas sociais, e é amparada pelas tecnologias da informação e comunicação (TICs) como microprocessadores e outros componentes eletrônicos integrados, os quais correspondem ao eixo tecnológico da Quarta Revolução Industrial ou Indústria 4.0; por fim, a Sociedade 5.0 consubstancia verdadeiro salto qualitativo, “pois representa uma forma social colaborativa entre diferentes agentes (como governos, universidades e empresas) visando a solução de questões sociais através da integração entre ciberespaço e espaço físico” (Heringer, 2023).
Retornando às constatações de Rojas et al, é válido reproduzir como os auto- res ilustram a vinculação entre os estágios de desenvolvimento industrial e social da história humana
Rojas et al (2021)
Da mesma forma, também convém transcrever uma das conclusões apresentadas pelo referido estudo científico:
Estes períodos de industrialização não só tiveram um grande impacto econômico, como também geraram enormes transformações sociais devido à substituição de uma sociedade de classes, baseada no feudalismo, por uma sociedade de classes determinada por bens materiais. As diferentes etapas da industrialização reforçaram a urbanização global e, como consequência da industrialização, o setor de empreendedorismo obteve grande riqueza vendendo seus produtos e pagando preços baixos para a força de trabalho. Desta forma, cada uma das revoluções industriais representou impacto substancial na categorização das cinco sociedades contempladas pelo conceito da Sociedade 5.0 (Rojas et al, 2021, p. 5).2
Ao perceber tais inovações Peter Drucker (1999, p. 15), em sua obra
“Sociedade Pós-Capitalista”, identificou o surgimento de uma nova conjuntura, que denominou sociedade do conhecimento. Para o autor, vivencia-se, hoje, uma sociedade da informação, na qual a concorrência entre as empresas não ocorre mais com base no acúmulo do capital, mas sim na capacidade de tornar o conhecimento produtivo. Por conseguinte, o valor advém, agora, da produtividade e da inovação que, por sua vez, decorrem de aplicações do conhecimento ao trabalho.
Dessa maneira, o recurso econômico básico não consiste mais no capital, nem na mão-de-obra, mas no conhecimento. Consequentemente, as classes das sociedades pós-capitalistas passaram a ser formadas por trabalhadores do conhecimento e trabalhadores em serviço. Entretanto, diversamente dos trabalha- dores sob o regime capitalista, neste novo modelo eles possuirão tanto os meios de produção, como as ferramentas de produção, pois são possuidores do próprio conhecimento, podendo leva-lo consigo a qualquer parte, com o objetivo de aplica-lo e, consequentemente, de gerar produtividade.
É forçoso, então, concluir que a sociedade do conhecimento é caracterizada pela hiperespecialização dos profissionais que nela atuam. E, com o crescimento exponencial desta complexidade tecnológica, surgem, proporcionalmente, no- vos desafios para a aplicação do Direito. Assim sendo, em paralelo, podemos caracterizar os conhecimentos multidisciplinares como sendo de hiperespecialização, já que os melhores profissionais são profundos conhecedores das matérias, mas também conhecem as formas de aplicabilidade de outras, trazendo assim, efetivamente, o conceito de hiperespecialista, que é aquele que compreende do Direito, conhece da matéria técnica e sabe aplicá-la em ambiente prático.
Este último é o segredo da notoriedade e da relevância, uma vez que estes profissionais, que possuem tal capacidade de modificar padrões de entendi- mento, de criar teses inovadoras e aplicá-las de modo a gerar valor para a sociedade, terão, com isso, o reconhecimento de cunho geral de que estas inovações podem ajudar as pessoas, conceito este atual e que permeia as startups.
O questionamento é, porque não aplicar estes conceitos modernos, inovado- res, criativos e que resolvem problemas da sociedade no sistema judiciário brasileiro? O ponto nevrálgico é, o sistema de justiça não consegue acompanhar as evoluções, com isso temos que recorrer a formas inovadoras de suplementar para que não vivamos na era jurássica para sempre, ou seja, sempre atrasados em relação aos temas tecnológicos.
Em outras épocas, a cognição fática dos litígios poderia ser realizada com base em conhecimentos técnicos já consolidados e a partir da atuação de profissionais com qualificações de áreas estanques do conhecimento. Todavia, atualmente, a nova conjuntura imposta pela Sociedade 5.0 impõe desafios aos jurisdicionados para a comprovação do caso levado juízo e, mais ainda, ao Judiciário, em sua busca pela verdade real.
Há que se ponderar, então, que novos problemas requerem novas formas para resolução de controvérsias. E, para se tratar de maneira inovadora os litígios torna-se imperioso conferir às partes maior margem de liberdade e de conhecimento para atuação na instrução processual, visto que o Judiciário, sozinho, jamais será capaz de acompanhar o ritmo frenético das evoluções tecnológicas.
Atento à essa necessidade, o Código de Processo Civil de 2015 erigiu a oportunidade de produção da prova pela parte à condição de direito autônomo, o que ainda é pouco e mal aplicado, também pelo baixo conhecimento dos operadores, tal como o próximo tópico tratará de demonstrar.
3. DIREITO À PRODUÇÃO ANTECIPADA DA PROVA COMO DIREITO PROCESSUAL INDEPENDENTE DO DIREITO MATERIAL EM LITÍGIO
O direito autônomo à produção antecipada da prova, tal como reconhecido pelo sistema processual pátrio atual, é inspirado no modelo norte-americano, que adota a sistemática da “Discovery, a qual representa a fase de pré-constituição da prova, ou seja, uma fase anterior à fase de julgamento, desvinculada da obrigatória declaração de um direito pelo Estado” (Bacelar, 2022, p. 20).
No Brasil, convém render o devido mérito ao professor Flávio Luiz Yarshell, que idealizou e desenvolveu o instituto da produção antecipada de prova, como direito autônomo e desvinculado do requisito da urgência, em sua tese apresentada no concurso para o cargo de professor titular de Direito Processual da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, na Universidade de São Paulo.
Vale frisar que, por meio deste feito, o mencionado docente conquistou, à unanimidade, o cargo de professor e, ainda, trouxe contribuição ímpar à com- posição do Código de Processo Civil de 2015, inserta em seção própria, dentro do Capítulo XII (Das Provas), na Seção II, especificamente entre os artigos 381 a 383.
A grande ruptura epistemológica promovida pelo autor consistiu em sustentar que seria perfeitamente viável a implementação, no ordenamento jurídico brasileiro, de um direito à produção antecipada de prova com natureza jurídica de direito autônomo e não cautelar. Nesse caso, as partes seriam destinatárias da prestação jurisdicional, “e não haveria, obrigatoriamente, a necessidade de propositura de uma ação principal para o convencimento do juiz que resultasse em uma decisão estatal” (Bacelar, 2022), o que, apesar da inovação, é altamente mal aplicado e desconhecido pelos jurisdicionados (pelas pessoas), ocasionando ris- cos processuais e financeiros expressivos, demonstrando, assim, a extrema necessidade de que seja divulgado este conhecimento ao brasileiro médio, como medida, inclusive, social.
Com isso, são evitados, basicamente, 3 (três) problemas: a) ingresso de ações sem respaldo técnico, científico e doutrinário; b) redução do volume de processos judiciais e do abarrotamento do Judiciário c) redução de potenciais lesivos em ações judiciais que podem chegar a ser maiores que o valor da causa.
O mecanismo processual da produção isolada da prova não é desprovido de finalidade, pois almeja conferir às partes o real e verdadeiro contorno da situação jurídica, entregando a oportunidade de avaliar qual seria a forma mais conveniente de resolução da lide ou, até mesmo, se, devido ao risco jurisdicional e outros fatores, seria economicamente viável buscar a solução da controvérsia.
Nas palavras do mestre do Largo São Francisco,
O CPC de 2015 inova ao desvincular a antecipação da prova do requisito do perigo […] embora ainda distante dos modelos de common law […] o novo texto passou a conceber a medida como meio para que os interessados possam melhor avaliar suas chances e riscos numa disputa judicial (Yarshell, 2015, 975).
Esta ampliação do direito de investigar e da colheita de provas no âmbito cível, nada mais é, do que uma das consequências lógicas do protagonismo conferido às partes pelo legislador de 2015. Como desdobramento, tal ferramenta acaba por contribuir não somente para a melhor apuração da verdade real, mas também com a redução da litigiosidade e do maior ativo de todos nós, o tempo.
Nesse sentido, o autor argumenta que deve ser reconhecida, pelo Estado, a possibilidade do interessado pesquisar fatos e buscar as provas que entender necessárias, com a finalidade de constituí-la antecipadamente, mesmo ausente um contexto de urgência atrelado à conservação da prova. E isso permite “que as partes possam avaliar suas chances, de sorte a ingressar em juízo com maior segurança e responsabilidade ou, por outra, simplesmente não ingressar (ou não resistir a dada pretensão)” (Yarshell, 2009, p. 217).
Eis então, a verdadeira quebra de paradigma, pois “rompe-se a tradicional e limitada ligação que se faz entre prova e julgamento estatal, para se valorizar o relevante nexo que existe entre a obtenção de prova e a avaliação das partes quanto às suas chances em juízo” (Yarshell, 2009, p. 211).
Tal entendimento já vem sendo corroborado pela jurisprudência pátria. Se- não, confira-se:
O acesso à ordem jurídica justa (artigo 5º, XXXV, da CF) não significa o direito a uma decisão, mas a um modelo de processo em que as partes possam ser efetivos atores principais, em que suas postulações probatórias sejam vistas como admissíveis como regra, e restringíveis, mediante exaustiva precaução, apenas voltadas a evitar manipulações indevidas, ou dilação claramente descabida. Em linguagem direta: na dúvida, a prova deve ser deferida. A ‘titularidade da prova’ não é do juiz e nem das partes (princípio da comunhão da prova — qualquer um pode se utilizar da prova independentemente de quem a produziu), mas a parte tem ‘direito aos meios’. Embora os requisitos devam ser observados, tanto para o deferimento de uma prova, quanto para o seu indeferimento, não se pode deixar de reconhecer que, na dúvida, é preferível a autorização para produção de uma prova, isto porque um julga- mento desfavorável é natural, mas um julgamento escorado em um obstáculo para que o fato pudesse ser demonstrado, além de uma violação das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, representa uma ruptura gravíssima do estado de direito, configurando violação do devido processo legal. Afinal, como ser atingido por um processo no qual a prova do fato necessário lhe foi obstaculizada? Em casos assim, a decisão judicial tomada é ilegítima constitucionalmente.
Cabe inferir, assim, o exercício do direito autônomo de produção probatória em juízo constitui ferramenta para que as partes avaliem sua chance de êxito em uma demanda, evitando as frequentes demandas ajuizadas sem o suporte fático adequado, que acabam por abarrotar o Judiciário brasileiro.
Em complemento, é factual comentar que a escolha da medida jurídica se tornará mais eficaz e estratégica, uma vez que terá lastro contundente. Exempli- ficando, eventuais ações indenizatórias podem se tornar uma obrigação de fazer pelo alto risco financeiro do litígio e baixo índice probatório, modificando assim a escolha jurídica por meio de visibilidade pela compreensão dos riscos e a decisão do jurisdicionado acerca do objetivo do processo ser mais assertiva.
Exemplificando, pessoa A, ingressa com uma produção antecipada de provas contra uma empresa de tecnologia crendo que as provas são suficientes para uma indenização total, mas que, ao longo dos trabalhos, se mostram frágeis e subjetivas no mérito, embora objetivas quanto ao estouro do projeto. Neste sentido, a partir desta visibilidade, pode a pessoa A, por meio de seu corpo jurídico, modificar o objeto da ação de rescisão contratual para obrigação de fazer, para terminar o projeto com o mesmo fornecedor, dentro do custo orçado e indenização somente dos valores precificados acima do orçamento inicial. Logo, percebe-se que nesta hipótese o exercício do direito à produção da prova possibilitou conferir maior esclarecimento quanto aos riscos da demanda e definir uma melhor estratégia que, ao final, se mostrou mais adequada à conjuntura do caso.
Se, por um lado, a produção de prova tem a natureza de direito da parte, convém questionar, também, se ela pode ser considerada como um dever diante da nova principiologia processual inaugurada pelo Código de Processo Civil de 2015. É o que o próximo tópico tratará de analisar.
4. O PROCEDIMENTO DENOMINADO DISCOVERY NA JUSTIÇA NORTE-AMERICANA.
Compulsando o todo já dito, entraremos no como fazer isso dentro dos modelos existentes no Código de Processo Civil brasileiro, norteados pela referência de inovação. Contudo, antes de apresentar o caminho para o exercício da adequada preparação probatória, convém fazer menção ao procedimento de Disco- very, existente no sistema do Common Law norte americano.
Referido procedimento diz respeito à fase pré-processual em que as partes revelam informações uma à outra, de acordo com regras determinadas, o que revela verdadeiro “papel protagonista na produção de provas”. Há que se observar, inclusive, que há um documento próprio para tanto, denominado “Redfern Schedule”, concernente a uma planilha elaborada de forma colaborativa pelos sujeitos do processo. Em suas colunas, constam o requerimento de produção de provas e seu fundamento, a impugnação da contraparte, a réplica do requerente e a decisão do julgador (magistrado ou árbitro) sobre a prova respectiva.
Em síntese, pode-se dizer que o método de discovery consiste na “revelação, prévia à instauração da ação, por uma parte à outra dos meios de prova com que pretende fazer valer o seu direito” (Barrocas, 2011, p. 201). Semelhante instituto inexiste no ordenamento jurídico brasileiro, razão pela qual diversas demandas acabam por ser ajuizadas sem a mínima aferição quanto à sua admissibilidade, seja probatória, seja seu valuation ou mesmo quanto a conveniência de propor a demanda (riscos).
As consequências dessa lacuna são claras. De um lado, verifica-se o descrédito da sociedade sobre a atuação do Poder Judiciário e, de outro, não se vislumbra o fomento a uma cultura probatória capaz de conferir maior assertividade às decisões judiciais, assim ocasionando ou fomentando ainda mais a necessidade de amparo técnico das partes ao longo da instrução processual nas cortes pátrias.
Em última análise, o que se pode realizar imediatamente, seria a aplicação do conceito do Discovery pelos operadores do Direito, fomentando esta prática por meio de estudos e conhecimentos que respaldem a atuação de profissionais capazes de adotar estes conceitos mundiais dentro da gestão de provas forenses.
5. PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO E A PRODUÇÃO PROBATÓRIA COMO DIREITO E DEVER DAS PARTES
O princípio da cooperação foi expressamente consagrado pelo art. 6º do Código de Processo Civil de 2015 nos seguintes termos: “todos os sujeitos do pro- cesso devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
Entretanto, para bem assimilar o conteúdo de tal postulado, é necessário compreender o contexto histórico que exigiu sua positivação. Isso porque ele decorre do surgimento do modelo organizacional cooperativo de processo, que transcende os tradicionais modelos adversarial e inquisitivo.
Conforme leciona Fredie Diddier, nesse novo modelo a
condução do processo deixa de ser determinada exclusivamente pela vontade das partes (marca do processo liberal dispositivo). Também não se pode afirmar que há uma condução inquisitorial do processo pelo órgão jurisdicional, em posição assimétrica em relação às partes (Didier, 2017, p. 141).
O processo cooperativo “se caracteriza pela exigência de lealdade no pro- cesso. Não por acaso, o art. 6º sucede o art. 52, que consagra o princípio da boa- fé processual”. Com efeito, o eixo norteador deste modelo se encontra no princípio da cooperação que, por sua vez, está ancorado nos princípios do devido processo legal, da boa-fé processual, do contraditório e do respeito ao autorregramento da vontade no processo.
Outrossim, o princípio da cooperação também atua diretamente sobre os sujeitos processuais ao lhes imputar determinados deveres de conduta. No entanto, cabe ponderar que a eficácia normativa do mencionado princípio independe da existência de regras jurídicas expressas, porquanto torna devidos os comportamentos necessários à obtenção de um processo leal e cooperativo, base esta que é pouco encontrada atualmente.
Nesta ordem de ideias, Fredie Didier assinala que:
O mais difícil é, realmente, sistematizar os deveres processuais que decorrem do princípio da cooperação. Para tanto, convém valer-se de tudo o que já se construiu a respeito dos deveres decorrentes do princípio da boa-fé no âmbito do direito privado. O dever de cooperação é um deles. Os deveres de cooperação podem ser divididos em deveres de esclarecimento, lealdade e de proteção. Essa sistematização pode ser aproveitada para a compreensão do conteúdo dogmático do princípio da cooperação processual (Didier, 2015, p. 1087).
Acompanhando o raciocínio do supracitado autor, vale destacar que a entrada em vigor do Código Civil de 2002 marcou a superação do modelo privatístico formalista e positivista que dominou o ordenamento jurídico no século XIX. Por consequência, optou-se por um novo sistema semanticamente aberto e constituído por cláusulas gerais inspiradas em principiologia hermenêutica, capaz de garantir a unidade do corpo legislativo em torno da dignidade humana.
Nessa ordem de ideias, o princípio da eticidade penetrou a legislação civil mediante a norma aberta atinente à boa-fé objetiva, que pode ser entendida como regra de conduta conforme determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção. Sob tal viés, a boa-fé permite o enquadramento constitucional não só das obrigações decorrentes de negócios jurídicos de Direito Civil, mas também daquelas que defluem da relação jurídica processual. Isso porque, no âmbito processual, o respeito à dignidade humana efetiva-se mediante o “fair play” processual, calcado dentre outras diretrizes, pela paridade de armas.
Por outro lado, cumpre frisar que, para assegurar essa postura proba e leal, a boa-fé apresenta multifuncionalidade no Código Civil:
a) serve como paradigma interpretativo (art. 113 – função interpretativa);
b) integra a obrigação principal, criando deveres laterais (anexos) éticos de honestidade, probidade e respeito, não previstos expressamente pelas partes (art. 422 – função integrativa);
c) limita a conduta humana, tipificando como ato ilícito o abuso do direito subjetivo (art. 187 – função restritiva, limitadora ou de controle);
As duas últimas funcionalidades conformam as premissas lógicas das inferências que passarão agora a ser desenvolvidas.
A moderna concepção dinâmica das obrigações recusa a perspectiva da relação jurídica que a esgota no dever de prestar e no antagônico direito de exigir a prestação. Atuando como legítima fonte de deveres jurídicos, a boa-fé faz com que o liame obrigacional seja percebido em sua totalidade, com atribuição às partes de outros deveres colaboracionistas além da prestação principal3.
Tais deveres têm recebido inúmeras denominações pela doutrina: deveres instrumentais, laterais, correlatos, de cooperação, proteção e tutela, ou, ainda, deveres anexos do contrato4. Mas apesar dessas múltiplas definições, eles compreendem, em síntese, os “deveres especiais decorrentes da imposição da boa-fé objetiva, inserida no contexto de uma obrigação complexa entre sujeitos deter- minados ou determináveis”.
Ao transpor tal raciocínio para o plano processual, é razoável conceber que, além das obrigações típicas que recaem sobre as partes, também é possível abstrair outros deveres de conduta decorrentes da aplicação da boa-fé nas relações entre os sujeitos do processo. E, dentre estes deveres, está a diligência na impetração da demanda, atinente, principalmente, no alicerçamento probatório adequado da pretensão.
Uma vez violado este dever, é possível se pensar em litigância de má-fé ou, atém mesmo, em abuso de direito, haja vista que será patente a transgressão à boa-fé objetiva e, segundo o art. 187 do Código Civil de 2002, “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (Brasil, 2002).
Ora, o dever de conduta relacionado à fundamentação probatória adequada da ação nada mais é que um desdobramento da boa-fé objetiva, quando aplicada no âmbito processual. Logo, a sua inobservância pode consubstanciar o ilícito funcional tipificado no dispositivo supratranscrito, pois o direito de ação terá sido exercido em desacordo com a função para a qual ele foi concebido.
Contudo, não é esse o escopo do presente texto, pois o que se busca investigar é a razão pela qual não é costumeiro que a parte processual providencie a adequada preparação probatória antes de exercer seu direito de ação. O próximo tópico cuidará de enfrentar essa questão.
6. HIPÓTESES JUSTIFICANTES DA AUSÊNCIA DO DIREITO-DEVER À PRODUÇÃO ADEQUADA DE PROVA NAS CORTES PÁTRIAS
6.1 A DUPLA FALHA DO MODELO TRADICIONAL DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E SUA CONSEQUENTE INEFICÁCIA
O modelo tradicional supõe certo descompromisso com a verdade real, razão pela qual não se preocupa em trazer para o processo a participação de experts antes da etapa pericial ou, até mesmo, antes do ingresso da ação. Pode, assim, ser chamado “modelo reativo”, vez que os sujeitos processuais devem se posicionar no momento do saneamento do feito, que é a etapa onde as partes apontam quais provas querem produzir, momento que o apoio técnico já deveria estar presente, haja vista que neste apontamento necessário é conhecimento específico do tema em litígio, dos perfis periciais adequados ou juntas técnicas necessárias com suas respectivas certificações para o correto deslinde da controvérsia.
O caráter reativo do mencionado modelo também pode ser apreendido sobre outra ótica. Como não são utilizados profissionais especializados antecipada- mente à propositura da ação, somente no momento de nomeação do perito ou do apontamento dos quesitos que as partes reagem buscando a assistência técnica, tornando exíguo o prazo para busca dos assistentes técnicos, sua contratação e confecção dos quesitos, providências que demandam uma análise aprofundada da questão antes de sua confecção, fato este impraticável no prazo do apontamento dos quesitos e nomeação do assistente técnico, geralmente 15 (quinze) dias.
Na prática, acabam sendo feitos por advogados que não possuem o conheci- mento necessário da matéria, trazendo discussões meritórias incabíveis, quesitos inadmissíveis, conturbações e outros atravancadores da etapa pericial, prejudicando a celeridade processual e o resultado dos trabalhos técnicos. Com isso, desencadeiam situações fáticas em grau recursal que demandam extrema atenção, pois há diversos casos de laudos anulados ou que tornaram necessário nova perícia, retornando assim o processo do Tribunal para o Juiz Singular. Tais acontecimentos poderiam ser evitados não adotando, o que denominamos, aqui, como “modelo reativo”.
Por falta de cultura probatória, é comum que os próprios advogados elaborem os quesitos técnicos, inclusive, em casos de alta complexidade, o que não é boa prática. Pela ausência de conhecimento técnico apropriado, tais quesitos são, geralmente, prejudicados e considerados inadmissíveis, alicerçando-se em arca- bouço meritório e atécnico, conforme já dito.
Nas raras situações em que, no modelo tradicionalista, são trazidos profissionais hipoteticamente qualificados, a atuação destes costuma ser também ineficaz, por falta de domínio jurídico por parte desses profissionais que os permita transitar entre o saber técnico e a atuação jurídico-processual, devido à sua falta de experiência em arcabouço probatório judicial e práticas forenses. Tomem-se como exemplos os casos em que, para a solução de controvérsias envolvendo contratos de tecnologia, são chamados analistas de tecnologia ou gerentes de tecnologia da informação de uma sociedade empresária, cuja visão jurídica da relação processual é altamente limitada e desconhecem como operacionalizar tal etapa preponderante para o deslinde da controvérsia, bem como não conhecem ou reconhecem os procedimentos periciais adequados e as formas de desenvolver-se uma análise forense de dados, documentos e de sistemas.
Isso, por sua vez, compromete a atuação destes profissionais, ocasionando uma atuação técnica insatisfatória. Nessas situações, o correto seria a contratação de um escritório de perícia ou, se possível, de auditoria, com envergadura jurídica para análise do tema específico sobre o qual versa a lide, compreendendo deste a parte técnica, a lógica jurídica e trazendo teses técnicas com aplicabilidade prática que é um requisito necessário, mas, se possível, alicerçadas na vivência e compreensão interna do modus operandi do adversário, que seria altamente desejável. Este último item traz luz e compreensão técnica, jurídica e estratégica para solução eficaz e célere da demanda, podendo inclusive culminar em uma composição entre as partes, desafogando o Judiciário.
Diante disso, devem ser ponderados três problemas ocasionados pelo modelo tradicionalista. Primeiramente, a esmagadora maioria de casos em que não se opta pela contratação de profissional especializado e, de fato, conhecedor da matéria, para atuar no processo. Em segundo lugar, a eleição de profissionais ineficazes para atuação conjunta com os advogados. E, por último, a postura reativa dos sujeitos processuais, que intensifica a litigiosidade e tempo processual, o que acaba por culminar da insegurança jurídica e na sensação de injustiça que per- meia a sociedade civil.
Por consequência, na fase de saneamento do feito, quando as partes necessitam especificar as provas que serão utilizadas, o próprio advogado do postulante não sabe como apontar o perfil pericial correto, de modo a conduzir o procedi- mento para um polo mais saudável de resolução da lide. Tal momento é o adequado para se fixarem os pontos controvertidos e, também, quais certificações, curriculum ou experiências práticas o perito deveria ter para atuar.
Sob essa perspectiva, constata-se que a própria base de instrução do processo previamente à impetração da demanda já se mostra viciada na origem. Além disso, a base de conhecimento do processo por parte do advogado termina por se mostrar enviesada pelo mérito do próprio contratante (cliente), demonstrando, assim, um grande fator de insucesso de pedidos que poderiam ter resultados diferentes.
Em acréscimo, com base nestes trabalhos prévios, pode se ter visibilidade do real potencial econômico da demanda, uma vez que os agentes jurídicos desconhecem como pleitear de forma segura o que denominamos de “pedidos avançados”, que são, em rol exemplificativo: lucros cessantes, perda de produtividade, outros prejuízos, novas contratações, horas internas de retrabalho e diversos outros pedidos que vão muito além do simples, mas nada simples ressarci- mento indenizatório.
Toda esta base de pedidos pode ser otimizada e majorada se precederem de um trabalho técnico realmente especializado e que seja admissível em ambiente judicial, fato este altamente desconhecido e pouco utilizado atualmente, muito por seu risco e pela falta de visibilidade dos agentes jurídicos acerca de novos temas, que contam com poucos profissionais realmente capacitados. Exemplificando, quase nenhum litigante conhece a gestão de riscos potenciais de uma ação, desde a parte de composição matemática dos juros, correções e eventuais reconvenções que potencializam exponencialmente o risco sucumbencial e o próprio pagamento da reconvenção.
Neste sentido, quando a base de entendimento já é deficitária nas questões de risco e as demais são altamente desconhecidas e subutilizadas pelos operadores do direito sem o conhecimento técnico preliminar, costumam ser veiculados pedidos sem base probatória ou, até mesmo, a omissão de possíveis pedidos. Isso, por sua vez, provoca o enriquecimento ilícito da parte adversária e reforça a crença capitalista de que estes atos acabam “compensando” ser realizados, uma vez que os valores pleiteados podem não ser conseguidos e os pedidos avançados muitas vezes são deixados de lado, o que, em suma, abre um precedente de mercado gigantesco para os profissionais que sabem como ter êxito em ações de ressarcimento e conseguem ter cases de sucesso em pedidos avançados.
Desse contexto pode ser extraídas duas conclusões importantes. No modelo tradicional, existe o entendimento equivocado de que nem sempre devem ser acionados experts para auxiliar no esclarecimento do feito, mas somente nas causas de alta complexidade e depois da nomeação do perito ou somente na etapa de apontamento de assistentes técnicos e quesitos. No entanto, para a busca adequada da verdade real e, diante das transformações gradativas e incessantes de- correntes da revolução tecnológica, os peritos deveriam ser chamados em toda e quaisquer causas, se possível, antes do ingresso delas, reduzindo o tempo processual e aumentando a assertividade e visibilidade para o litigante do real potencial e risco da ação, evitando as tais inseguranças jurídicas.
Por outro lado, mesmo nos casos em que são contratados assistentes técnicos, estes o são somente após a nomeação do perito, quando já se tem prazo hercúleo para formulação dos quesitos, o que compromete a qualidade destes e acabam por trazer para o bojo da ação profissionais que não compreendem de forma ampla toda a situação fática e probatória necessária para o correto entendimento e apreciação judicial/pericial.
6.2 COMO APLICAR O MODELO PROATIVO DE ATUAÇÃO COLABORATIVA AO LONGO DO TRANSCURSO PROCESSUAL
O modelo proativo de instrução probatória é diametralmente oposto ao tradicional. Isso porque tem caráter nitidamente disruptivo, ao contar com a colaboração técnica ao longo do transcurso processual e, se possível, antes da judicialização do feito, conferindo total visibilidade sobre as possibilidades e riscos inerentes a demanda.
O benefício imediato de se adiantar a atuação do assistente técnico ou do auditor consiste no maior esclarecimento por ele proporcionado quanto ao entendimento geral da demanda, compreensão de todo o arcabouço probatório e formatação/prospecção das evidências jurídicas, de modo a serem catalogadas e classificadas em ordem de prioridade, inclusive cronológica e, também atuando na construção estratégica da ação, uma vez que estará calcada em provas e conclusões técnico-científicos, não em impressões e indícios que tem valor subjetivo.
Sob essa perspectiva, a atuação antecipada, colaborativa e sinérgica entre assistente técnico e advogado possibilita maior precisão quanto à tomada de decisão sobre as melhores estratégias para o processo, com base em uma visibilidade técnica e se possível ancorada na experiência do expert em litígios análogos. Na verdade, com base em tal postura, pode ser que se decida, até mesmo, pelo não ajuizamento da demanda, o que contribuiria para a redução da litigiosidade processual e “desafogamento” do Judiciário.
Há que se considerar, também, que a reunião de maior manancial probatório viabiliza a melhor construção dos argumentos negociais, viabilizando, inclusive, maior chance de acordo para a parte devidamente assistida, evitando anos de litígio e muito desgaste emocional com valores incalculáveis.
Por outro lado, na hipótese de se decidir pela judicialização da disputa, a construção apropriada da base probatória possibilita a seleção do mecanismo processual adequado. Por exemplo, é possível escolher se a via processual seria a tutela inibitória, mediante impetração de ação de obrigação de fazer, ou se o melhor caminho seria a busca pela reparação integral ou parcial, por meio de demanda indenizatória, seja ela para pedidos de ressarcimento ou pedidos avança- dos, conforme já supracitado.
Somem-se a estes fatores a “assepsia” eficaz proporcionada pelo especialista técnico ao advogado. Isso porque este pode se imunizar quanto os vieses extra- jurídicos ofertados pelo cliente, que pela falta de natureza técnica e envolvimento emocional, podem conduzir a discussões totalmente teratológicas, inférteis e ineficazes para com o jogo processual, o que acaba por enviesar o advogado e leva-lo para um caminho de insucesso da demanda.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como decorrência lógica das premissas apontadas ao longo do presente texto, infere-se que a evolução da sociedade atual ocasionou novos desafios para a resolução judicial de conflitos, vez que a tecnologia passou a permear todos os ramos do Direito.
Logo, qualquer tipo de conflito, seja ele empresarial, familiar, trabalhista ou, até mesmo, criminal, passou a demandar conhecimentos que se distanciam, cada vez mais, do saber jurídico. Daí a necessidade pungente de se conferir maior relevância a determinadas figurar processuais que, até o final do século passado, foram pouco demandadas pelo judiciário, como é o caso dos peritos e dos assistentes técnicos.
Esse fenômeno acompanha o que, há muito, vem ocorrendo no Direito Com- parado, cujo exemplo é o procedimento de “Discovery” norte-americano. Ao mesmo tempo, a nova principiologia processual inaugurada pelo Código de Pro- cesso Civil de 2015 trouxe a fundamentação jurídica necessária para conferir às partes maior protagonismo processual, uma vez que foi conferida maior proeminência ao princípio da cooperação, tornando-as corresponsáveis pela construção do arcabouço probatório necessário à revelação da verdade real.
Nota-se, assim, a superação de um modelo tradicional de assistência técnica, devido à sua ineficácia ante aos avanços proporcionados pela tecnologia con10temporânea. Em seu lugar, ganha espaço o modelo proativo de resolução de conflitos, fundado na atuação colaborativa entre os sujeitos processuais acompanha- dos de seus auxiliares técnicos.
Este novo modelo soluciona, concomitantemente, dois percalços que estiveram sempre presentes no cenário do Judiciário Brasileiro. Em primeiro lugar, tem-se a morosidade judicial ocasionada, dentre outros fatores, pela sobrecarga de processos cuja procrastinação advém do debate de teses nem sempre alicerçadas nos fatos e nas suas respectivas provas. Em segundo lugar, verifica-se a maior assertividade das decisões judiciais, pois o magistrado passa a poder decidir com base no arcabouço probatório adequado e não somente em debates teratológicos.
Notas
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1. No original: “during the transition from one society to another, changes occur at all social levels; for this reason, societal change is generally subsequent to industrial revolutions”.
2. No original: “These periods of industrialization not only had a great economic impact, but they also generated enormous social transformations due to the substitution of a class society based on feudalism by a class society determined by material goods. The different stages of industrialization rein- forced global urbanization, and as a consequence of industrialization, the en- trepreneurship sector obtained great wealth by selling their products and paying low prices for labor power. In this way, each of the industrial revolu- tions represented a substantial impact in the categorization of the five socie- ties contemplated by the concept of Society 5”.
3. Dentre tais imperativos, estão o dever de informar, atinente ao aconselha- mento e riscos contratuais, o dever de cooperação na execução do contrato e o dever de cuidado, relacionado à segurança da vida e patrimônio das partes (Marques, 1992, p. 187, 195 e 198).
4. Antônio Menezes Cordeiro prefere conceber essas exigências comportamentais como “deveres fiduciários”, subdividindo-os em três categorias, quais sejam: de cuidado, de informação e de lealdade (Cordeiro, 1984, p. 603 a 609).
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