É prática reiterada no ambiente digital que influenciadores utilizem suas plataformas virtuais não apenas para entretenimento, mas também para veicular opiniões, realizar análises e emitir juízos sobre produtos, serviços ou questões sociais diversas. Tal conduta se justifica pelo reconhecimento social desses agentes como formadores de opinião, capazes de influenciar significativamente os hábitos de consumo e pensamento de seus seguidores. Nesse cenário, impõe-se o questionamento jurídico: podem os influenciadores serem responsabilizados civilmente pelas repercussões de suas manifestações nas redes sociais?
Para a adequada compreensão dessa problemática, é imprescindível contextualizar os contornos jurídicos da liberdade de expressão no ordenamento brasileiro. Diferentemente do modelo norte-americano, em que tal liberdade é concebida como direito absoluto, a Constituição Federal de 1988 adota postura moderada, reconhecendo o direito à livre manifestação do pensamento, mas condicionando-o à observância dos demais direitos fundamentais, especialmente os direitos da personalidade.
Assim, manifestações que extrapolem os limites do razoável, configurando ofensas a indivíduos ou grupos, ou ainda caracterizem discurso de ódio (hate speech) ou incitação ao linchamento virtual, não podem ser legitimadas sob o manto da liberdade de expressão. O mesmo se aplica à disseminação de informações sabidamente falsas ou deturpadas, que não se encontram sob a proteção constitucional conferida à liberdade de expressão.
O Supremo Tribunal Federal, no emblemático leading case HC 82.424/RS, assentou, já em 2003, que a liberdade de expressão, embora constitucionalmente assegurada, não ostenta caráter absoluto, podendo sofrer restrições sempre que suas manifestações afrontarem outros direitos igualmente tutelados.
Nessa linha, se o conteúdo veiculado por influenciadores traduzir afronta à honra, imagem ou dignidade de terceiros — notadamente por meio de linguagem ofensiva ou difamatória —, impõe-se o reconhecimento da responsabilidade civil, com fulcro nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil. Considerando o elevado alcance desses agentes nas plataformas digitais, eventual dano moral ou material ocasionado por suas declarações tende a adquirir proporções relevantes, circunstância que deverá ser considerada na quantificação da indenização.
Como exemplo ilustrativo, destaca-se a condenação proferida pela 14ª Vara Cível da Comarca de João Pessoa, em que a influenciadora Maíra Cardi foi condenada ao pagamento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) ao nutrólogo Bruno Cosme. O litígio teve origem na crítica que este dirigiu à prática do “jejum intermitente” incentivada pela influenciadora, a qual respondeu chamando-o publicamente de “senhor rato” e “doutor de merda”, incitando seus seguidores ao cancelamento do profissional. Evidencia-se, nesse caso, abuso do direito de manifestação, com inequívoca violação à honra subjetiva e à imagem do ofendido, a justificar a condenação por danos morais1.
Tal entendimento alinha-se à jurisprudência consolidada de que o exercício da liberdade de expressão não pode servir de escudo para práticas que vilipendiem direitos de personalidade. Quando a manifestação extrapola o plano da crítica legítima e assume feição de ataque pessoal ou desqualificação gratuita, resta caracterizado o ato ilícito passível de reparação.
De igual modo, os denominados “linchamentos virtuais” inseridos na chamada “cultura do cancelamento” têm gerado debates relevantes no campo jurídico, mormente quando a conduta dos influenciadores redunda em perseguições e hostilidades dirigidas a indivíduos que, muitas vezes, cometeram meros deslizes ou sequer isso.
Noutra vertente, também se questiona a eventual responsabilização civil decorrente de avaliações negativas feitas por influenciadores acerca de produtos e serviços. Muitas dessas análises, quando desprovidas de cunho publicitário, são tidas como meras manifestações de opinião, sobretudo por microinfluenciadores especializados em determinados nichos — como gastronomia, moda, bebidas e entretenimento.
Nesses casos, a jurisprudência nacional tem se posicionado no sentido de que críticas fundamentadas e desprovidas de elementos injuriosos, mesmo que desfavoráveis, não ensejam responsabilização civil. A liberdade de expressão abarca, nesse contexto, o direito de externar impressões negativas, desde que o discurso não extrapole os limites da legalidade e da urbanidade. A Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça estabelece, inclusive, que “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”, de modo que, quando a crítica se transmuta em difamação ou calúnia, o dever de indenizar se impõe.
Todavia, a aferição da ilicitude demanda análise detida do caso concreto, devendo-se verificar a presença de animus difamandi, a existência de nexo causal e a comprovação de dano efetivo à imagem ou reputação do ofendido. Em síntese, críticas desprovidas de conteúdo ofensivo e realizadas no exercício legítimo da liberdade de expressão não geram, por si sós, o dever de indenizar.
É possível dizer, portanto, que os influenciadores digitais, em virtude da relevância e amplitude de seu alcance comunicativo, devem exercer sua liberdade de expressão com responsabilidade, ponderando os limites legais e constitucionais que regem os direitos da personalidade alheia. O uso indiscriminado da palavra, ainda que travestido de opinião, pode gerar consequências jurídicas significativas, especialmente quando traduzir discurso ofensivo ou difamatório, justificando, assim, a incidência da responsabilização civil.
Notas
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1. Como destacado em sede de sentença:
A demandada se autointitula “pessoa pública” – o fazendo inclusive em sua contestação – e conta com 6 (seis) milhões de seguidores na rede social. É pacífico o entendimento de que aqueles que se utilizam profissionalmente das redes sociais devem ser ainda mais cautelosos com aquilo que publicam, vez que, com um grande alcance, vem também uma grande responsabilidade.
As ofensas propaladas pela ré detém óbvio potencial danoso à pessoa do demandante, inclusive em relação à sua vida profissional, vez que este fora exposto a escárnio diante de milhões de pessoas – pessoas estas que, como a palavra “seguidor” sugere, guardam algum tipo de identificação com a demandada. (PARAÍBA. Poder Judiciário da Paraíba. Procedimento Comum Cível 0816012-44.2021.8.15.2001. 14ª Vara Cível da Capital. Juiz: Marcos Aurelio Pereira Jatobá Filho. julg. 14 nov. 2022. Diário da Justiça Eletrônico, João Pessoa, publ. 14 nov. 2022. Disponível em: link. Acesso em: 28 mai. 2025)