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Educação como direito humano – uma perspectiva revolucionária – Parte I

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Confesso que no período de escola, seja no fundamental ou médio, nunca ultrapassei a mediocridade. A escola ao mesmo tempo em que estimulava a interagir com pessoas das mais variadas, me desestimulava a aprender, a ter uma sensação de sentido acerca do conteúdo apreendido e a realidade vivenciada.

Já na graduação, me percebi em um cenário um tanto quanto distinto, contudo sobre premissas e dinâmicas de aprendizado similares. Contudo, pela primeira vez pude ter uma espécie de autonomia quanto ao que aprender e ao que estudar, pela primeira vez me senti livre para expor um pensamento criativo, e ao mesmo tempo comparativo a minha cotidianidade.

Por se tratar de uma ciência social aplicada, o curso de Direito acaba por nos proporcionar uma percepção mais direta com as situações e fenômenos do dia a dia, todavia a dinâmica da academia, mais precisamente a nível de graduação, não se verifica um rompimento com sistema tradicional de ensino.

Ao me referir ao sistema tradicional educacional de ensino, incluo nesse conceito tanto o aspecto estrutural, isto é, a disposição das cadeiras dos alunos, da mesa do professor, quanto o aspecto da dinâmica dentro de sala de aula, visualizada numa noção de hierarquia entre professor e aluno. Essa perspectiva se fez mais lúcida, com a leitura, ainda na graduação, da obra de Michel Foucault “Vigiar e Punir”.

Em referida obra, Foucault, em que pese trabalhar em seu livro especialmente a questão de evolução dos métodos de punição, ao trabalhar a transição da punição física do indivíduo para o que hoje se denomina como pena de reclusão, traça em paralelo, ainda que de forma implícita, a institucionalização do ensino.

Esse tonar o ensino em instituto secularizado dentro da sociedade, é percebido de maneira mais evidente no período histórico designado como Idade Média. Visualiza-se isso em “Vigiar e Punir”, à medida que o citado autor lança a Igreja Católica, em especial ao falar dos monastérios, como canalizadores da mudança paradigmática dirigida a metodologia punitiva àqueles tidos como delinquentes.

A reclusão passou a ser um método punitivo, uma vez que excluía os admitidos como inaptos, de conviver em sociedade.  A vida eclesiástica, desse momento em diante, passa a se estender, ao mesmo no que diz respeito ao aspecto educacional, a indivíduos fora do meio eclesiástico, e da nobreza. Por óbvio, que isso não se deu com amplitude dos dias atuais, mas deu abertura ao início da sistemática hoje percebida.

Perpetuou-se então, uma ideia de ensino eivada na reclusão e sobretudo, olhando novamente para a questão estrutural física, nos moldes dos chamados mosteiros de copistas. As salas de aula de hoje, nada mais são que um espelho do antigo scriptorium, um local de compartimentação e parametrização.

No filme “O nome da rosa” adaptação do livro de igual nome, de autoria de Humberto eco, mostra o ambiente de um mosteiro e ao mesmo tempo promove a crítica acerca de como o conhecimento e a aquisição desse era trabalhada. A trama traz em seu enredo um embate entre o tradicionalismo educacional, pautado numa ideia de hierarquia, de informação e não de transmissão do conhecimento, e o pensamento crítico, construtivo, baseado não só na ideia de troca de aprendizado entre mestre e aluno, mas também na noção de conhecimento em construção, aberto a possibilidade de inovação interpretativa e empírica.

A modernidade avança nesse sentido, principalmente ao privilegiar o indivíduo, todavia, ao fazer um comparativo com a contemporaneidade, pouco avançou em relação a ideia de educação enquanto ferramenta libertadora.

Talvez, o maior bloqueio para o incentivo e consequente promoção desse novo conceito educacional, dirigido ao que bell hooks chama de pedagogia engajada, esteja em grande medida na raiz da sociedade ocidental. Fazendo um comparativo com a sociedade grega, em específico a moldada por Platão, filosofo que constrói sua ética baseada na funcionalidade de cada indivíduo e cada classe na pólis, é de se extrair que, a dinâmica vigente se volta, com já dito anteriormente, a compartimentar, a colocar em “caixas” e nichos os indivíduos componentes do corpo social.

Cada sujeito, agora olhando a contemporaneidade, principalmente a realidade educacional brasileira, é desde a escola podado e tem seu caminho cada vez mais limitado. Essa régua, aparentemente se dá de forma proposital, e tem por objetivo a manutenção de um status quo, que desprestigia, não só todo o processo educacional, mas professores, alunos, indivíduos e sociedade. Em contrapartida fortalece o jugo e as viseiras, e de maneira mais macro, o poder adstrito as relações, dentre elas a de professor e aluno.

Ensina bell hooks que para transformar a educação em uma prática do exercício da liberdade, e indo além da cidadania, é necessário trazer o aluno, o estudante o acadêmico, bem como os professore e os mestres para o âmbito da experiência, a teoria aplicada a prática e da individuação do ensino. hooks, fala, logo no primeiro capítulo da sua obra “Ensinando a transgredir”, tanto do ponto de vista de aluna como de professora, que é preciso romper com a ordem educacional admitida como uma linha de produção. Escolas, Universidades, dentre outras instituições que se voltam a promover o conhecimento e a formação intelectual de pessoas, devem, antes de olhar o mercado profissional, reflexo de uma sociedade capitalista, empreender esforços numa formação humanista, e mais propriamente, libertadora.

Devem implementar uma noção de conhecimento enquanto instrumento ampliador de horizontes e não o contrário e ao mesmo tempo trazer para o contexto pedagógico uma interação de troca de vivências.

Em que pese, ser uma leitura ainda incipiente, é coerente inferir que referida autora empreende esforços a lançar luz a educação enquanto direito, uma vez que influi na construção do indivíduo, bem como é primordial para sua afirmação.

A educação nesse sentido, vai além de mero aprendizado, passando a ser uma tarefa ativa, que não se restringe a um lugar em específico, mas que pode se dar a todo momento e em todo lugar.

Diante de tal concepção, merece atenção a legislação pátria, em especial quando se examina o que dispõem o art. 6 º da Constituição Federal de 1988, e os artigos 1º e 2º da lei nº 9.394/1996, a qual estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

A Constituição de 1988, ao alçar o direito a educação ao status de direito social e por coerência direito fundamental, o eleva a um certo grau de importância, uma vez que esse torna-se passível de ser assimilado enquanto pressuposto da dignidade da pessoa humana, da vida, da liberdade, e em geral, da assimilação do próprio Direito, dirigido aos indivíduos e a sociedade. Os artigos 1º e 2º, da lei nº 9.394, trazem respectivamente em seus textos não só uma ideia de educação viabilizadora dos processos sociais, como também pautada pelos princípios da liberdade e da solidariedade, fomentadores e proporcionadores da cidadania. Pela leitura dos referidos dispositivos, permite-se dizer que o legislador brasileiro se preocupou, ao menos em tese, em promover uma educação no sentido de desatar amarras e possibilitar um desenvolvimento, tanto do sujeito quanto da coletividade em conjunto.

Conquanto, na prática o cenário da educação para todos, ainda está longe se concretizar, sendo notória uma tendência ao obscurantismo, ao pensamento anticientífico e contra-argumentivo, totalmente avesso a uma educação como prática da liberdade, voltada ao que pode-se conceber como um aprendizado consciente.

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Felipe Gomes Carvalho

 

Referências

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BELL, Hooks. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: Folha de São Paulo, Coleção Os pensadores, v. 3, 2021, p. 208.

FOUCAULT, Michel. VIGIAR E PUNIR: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 1987,  p. 288.

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