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Escalando Startups parte 01 – crowdfunding de investimentos

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Inicialmente gostaria de prestar esclarecimento aos meus leitores sobre o hiato que a coluna se encontrou em relação à periodicidade de publicações. Ocorre que o colunista está se pós-graduando no mestrado em empresa e atividades econômicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ, dessa forma o exíguo tempo que resta até o prazo final do curso está sendo empreendido para a redação e revisão da dissertação, requisito obrigatório para a obtenção do título de mestre. Dessa forma, a coluna passa a ser mensal, até 2022, oportunidade em que voltará a ser quinzenal.

Feitas as devidas ressalvas aos leitores, a coluna iniciará uma série intitulada “Escalando Startups”, em que cada publicação abordará uma modalidade de investimentos específica do ecossistema das startups, abordando sua regulamentação, com um olhar crítico e sua real funcionalidade.

A primeira matéria da série “Escalando Startups” abordará o crowdfunding de investimentos, modalidade de investimento regulada pela autarquia Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ligada ao Ministério da Fazenda, que, por força da Lei 6.385/1976, é responsável por regular o mercado mobiliário, ou de capitais, tema que já foi abordado anteriormente nesta coluna.

Dentre as modalidades de crowdfunding, pode-se mencionar quatro: (i) Doação (ii) Recompensa (iii) Debt Crowdfunding (iv) Equity Crowdfunding. O crowdfunding de doação é popularmente conhecido como “vaquinha virtual”, em que pessoas, naturais ou jurídicas, pedem contribuições para a realização de algum projeto, ou para necessidades pessoais; o crowdfunding de recompensa se assemelha ao de doação, mas não é feito de forma gratuita, ao solicitar dinheiro para a realização de projetos, a depender da quantidade de dinheiro doado, o donatário “premia” o doador com alguns brindes que podem variar entre lembranças simbólicas até acesso gratuito ao serviço/produto que será desenvolvido com o projeto financiado.

A modalidade de debt crowdfunding é utilizada para captar empréstimo através de uma plataforma digital em que o valor será restituído com juros e correções ao mutuante.

O crowdfunding de investimento (equity crowdfunding) é uma modalidade de financiamento coletivo regulada pela INCVM nº 588/2017, em que a sociedade empresária (difere das modalidades de doação e de recompensa, que podem ser utilizados também por pessoas naturais) emite e oferta valores mobiliários, dispensado o registro destes na CVM, em plataformas virtuais, sendo os destinatários da oferta uma pluralidade de investidores que fornecem financiamento nos limites previstos na IN.

Essa modalidade de aporte é destinada sociedades empresárias de pequeno porte, que possuam receita anual não superior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) apurada no exercício social encerrado no ano anterior à oferta e que não seja registrada como emissor de valores mobiliários na CVM.

A oferta de valores mobiliários através de plataformas virtuais não pode exceder o valor de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), em prazo de captação não superior a 180 dias.

O valor investido por cada investidor não pode exceder R$10.000,00 (dez mil reais), salvo se tratando de investidores líderes[1], investidores qualificados[2], ou cuja renda bruta anual ou o montante de investimentos financeiros seja superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

A oferta pública de valores mobiliários vai ser publicada em uma plataforma previamente autorizada pela CVM, que possuirá uma meta de valor a ser batido com a oferta, que caso atinja 2/3 do valor do financiamento, obtém sucesso, e em até 5 (cinco) dias úteis após a data do encerramento da oferta, a plataforma deve tomar a providências necessárias para que seja realizada a transferência do montante final investido para a sociedade empresária.

A proposta de facilidade de acesso ao mercado de capitais pelas startups é de fato louvável, bem como a modernização dos meios de captação de investimento, utilizando da essência da sua existência, a inovação em tecnologia, contudo, sua concepção foi gerada de modo que encontra entraves na norma societária, limitando a possibilidade de emissões.

Inicialmente deve-se compreender que a maioria das startups, ou melhor, de toda atividade empresarial em âmbito nacional é exercida por micro e pequenas “empresas” estruturadas sob a forma de sociedades limitadas, pelo fato de que sua concepção é menos burocrática e onerosa, além de poder desfrutar dos benefícios concedidos pela LC nº 123/2006 e futuramente, caso necessário, poder ser convertida em outro tipo societário que atenda melhor às suas necessidades, como uma companhia de capital aberto.

Considerando que as startups, ao menos em seu estágio inicial e de desenvolvimento serão sociedades limitadas, indaga-se: qual valor mobiliário a norma permite que tal tipo societário emita?

Os valores mobiliários não possuem uma definição legal, sendo elencados no art. 2º da Lei 6.385/1976, sendo eles as ações, debêntures e bônus de subscrição;  os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores os certificados de depósito de valores mobiliários; as cédulas de debêntures;  as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos;  as notas comerciais;  os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários;  outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.

Dentre o rol de valores mobiliários elencado acima, as sociedades limitadas só podem emitir títulos e contratos de dívidas privadas de investimento coletivo, que gerem direito de participação: o contrato de mútuo conversível[3].

Dessa forma o mutuante adquire “quota” do contrato de mútuo, transferindo a parcela do valor deste para a plataforma, e ,transcorrido os 180 dias máximos para a oferta, após cinco dias do vencimento da oferta, caso consiga atingir 2/3 do valor do contrato de mútuo, o valor é transferido para a startup que utilizará para seu desenvolvimento e escalabilidade, caso haja o evento de liquidez que o contrato de mútuo deve prever para conversão do seu valor, total ou parcialmente, em participação societária, o investidor adquire o status de sócio.

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Bernardo Rocha da Motta Pereira

 

Referências

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1. Conforme art. 2º, VI da IN588: investidor líder seria pessoa natural ou jurídica com comprovada experiência de investimento e autorizada a liderar sindicato de investimento participativo.

2. “Um investidor qualificado, segundo instrução da CVM, é aquele que possui mais de R$ 1 milhão investidos e declara a si mesmo por escrito. Assim, ele tem um leque maior de investimentos à disposição” (O QUE É um investidor qualificado e como ser um. Expert XP. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3CbgGuJ. Acesso em: 09 nov. 2021).

3. Esse contrato será abordado em artigo pertinente da serie “Escalando Startups”.

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