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Possibilidade de averbação de tempo de contribuição na condição de Aluno-Aprendiz: o que diz a jurisprudência brasileira?

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Introdução

Muitos segurados não sabem, mas o tempo de contribuição do Aluno-Aprendiz, Menor Aprendiz ou somente Aprendiz, é contado para fins previdenciários.

Segundo o art. 428, caput, da Consolidação de Leis Trabalhistas (CLT), para ser considerado Aprendiz, o segurado deve cumprir os seguintes requisitos:1

  • ter entre 14 e 24 anos;
  • inscrição e frequência em programa de aprendizagem e formação técnico-profissional metódica, que seja compatível com o desenvolvimento físico, moral e psicológico do jovem aprendiz;
  • frequência na escola, caso esteja no ensino médio ou já ter concluído.

O prazo máximo que o jovem pode trabalhar nesta condição é 2 anos.

Caso cumprido os requisitos acima, com a devida anotação na CTPS, o Aprendiz terá este período contado para fins previdenciários.

Mas sabemos que nem tudo são mil maravilhas para averbar este tempo no Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

É bastante comum que algumas pessoas se enquadrem no conceito de Aluno-Aprendiz, mas não possuem anotação na carteira de trabalho capaz de comprovar tal período ou também trabalharam por um período maior do que 2 anos, entre outras situações, principalmente aqueles que foram Alunos Aprendizes antes de 1998.

Isto porque houve uma alteração legislativa que modificou a CLT (Lei 10.097/2000 e Emenda Constitucional 20/1998).

Deste modo, os segurados Aprendizes, antes de 16 dezembro de 1998, também podem pedir para incluir esse período como tempo de contribuição.

Tanto que a Instrução Normativa (IN) 77/2015 informa, em seu art. 76, que:

Art. 76 Os períodos de aprendizado profissional realizados até 16 de dezembro de 1998, data da vigência da Emenda Constitucionalnº 20, de 1998, serão considerados como tempo de serviço/contribuição independentemente do momento em que o segurado venha a implementar os demais requisitos para a concessão de aposentadoria no RGPS, podendo ser contados:

I – os períodos de frequência às aulas dos aprendizes matriculados em escolas profissionais mantidas por empresas ferroviárias;

II- o tempo de aprendizado profissional realizado como aluno aprendiz, em escolas industriais ou técnicas, com base no Decreto-Leinº 4.073, de 30 de janeiro de 1942 (Lei Orgânica do Ensino Industrial), a saber:

a) período de frequência em escolas técnicas ou industriais mantidas por empresas de iniciativa privada, desde que reconhecidas e dirigidas a seus empregados aprendizes, bem como o realizado com base no Decreto nº 31.546, de 6 de outubro de 1952, em curso do Serviço Nacional da Indústria – SENAI, ou Serviço Nacional do Comércio – SENAC, ou instituições por eles reconhecidas, para formação profissional metódica de ofício ou ocupação do trabalhador menor; e

b) período de frequência em cursos de aprendizagem ministrados pelos empregadores a seus empregados em escolas próprias para essa finalidade ou em qualquer estabelecimento de ensino industrial;

III – os períodos de frequência em escolas industriais ou técnicas da rede de ensino federal, escolas equiparadas ou reconhecidas,desde que tenha havido retribuição pecuniária à conta do orçamento respectivo do Ente Federativo, ainda que fornecida de maneira indireta ao aluno, observando que:

a) só poderão funcionar sob a denominação de escola industrial ou escola técnica os estabelecimentos de ensino industrial mantidos pela União e os que tiverem sido reconhecidos ou a eles equiparados (incluído pelo Decreto-Lei nº 8.680, de 15 de janeiro de 1946);

b) entende-se como equiparadas as escolas industriais ou técnicas mantidas e administradas pelos Estados ou pelo Distrito Federal e que tenham sido autorizadas pelo Governo Federal (disposições do Decreto-Lei nº 4.073, de 1942); e

c) entende-se como reconhecidas as escolas industriais ou técnicas mantidas e administradas pelos Municípios ou por pessoa natural ou pessoa jurídica de direito privado e que tenham sido autorizadas pelo Governo Federal (disposição do Decreto-Lei nº4.073, de 1942).2 

Alguns pontos importantes sobre o art. 76:3

  • o tempo compreendido entre 30 de janeiro a 15 de fevereiro de 1959 seja reconhecido como aprendiz bastando a comprovação do vínculo;
  • o tempo de aluno-aprendiz desempenhado em qualquer época, mesmo fora do Decreto Lei nº. 4.073/42 só pode ser considerado desde que comprovado remuneração e vínculo empregatício;
  • pode-se considerar como vínculo e remuneração e também comprovação de frequência o recebimento de alimentação, fardamento, material escolar e parcela de renda auferida com a execução de encomendas para terceiros, entre outros.

Também cabe mencionar que a comprovação do período de frequência em curso do aluno-aprendiz que se refere o art. 76 poderá ser confirmado com:4

  • certidão emitida pela empresa quando se tratar de aprendizes matriculados em escola profissionais mantidas por empresas ferroviárias;
  • certidão escolar nos casos de frequência em escolas industriais ou técnicas;
  • certidão de tempo de contribuição, na forma da Lei nº. 6.226/75 e Decreto nº. 85.850/81;
  • certidão escolar emitida pela instituição onde o ensino foi ministrado.

Ainda sobre as disposições normativas, vale mencionar que o Decreto 3.048/1999 informa a possibilidade da utilização do período como Aprendiz como tempo de contribuição:

Art. 188-G. O tempo de contribuição até 13 de novembro de 2019 será contado de data a data, desde o início da atividade até a data do desligamento, considerados, além daqueles referidos no art. 19-C, os seguintes períodos:

IX – o tempo exercido na condição de aluno-aprendiz referente ao período de aprendizado profissional realizado em escola técnica, desde que comprovados a remuneração pelo erário, mesmo que indireta, e o vínculo empregatício.5 

Apesar das disposições normativas, é na jurisprudência que ocorrem divergências quanto ao tema em discussão.

 

O que diz a jurisprudência?

jurisprudência brasileira, principalmente a do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é evidente em demonstrar a possibilidade de cômputo do tempo de Aprendiz para fins previdenciários, desde que comprovado o recebimento de remuneração, ainda que indireto, a cargo da União.

Neste sentido, a Turma Nacional de Uniformização (TNU), em 2020, através de seu Tema Repetitivo nº 216, definiu os critérios para que o tempo de serviço como Aluno-Aprendiz seja computado para aposentadoria, uma vez que, além da remuneração, é necessário que a relação de trabalho seja comprovada para que o tempo conte para fins previdenciários.

Como houve alteração no entendimento da TNU, foi alterado a sua Súmula 18, que, a partir de 2020, consta com a seguinte redação:

Para fins previdenciários, o cômputo do tempo de serviço prestado como aluno-aprendiz exige a comprovação de que, durante o período de aprendizado, houve simultaneamente: (i) retribuição consubstanciada em prestação pecuniária ou em auxílios materiais; (ii) à conta do Orçamento; (iii) a título de contra prestação por labor; (iv) na execução de bens e serviços destinados a terceiros.6 

Pelo que se observa, devem ser comprovados estes 4 requisitos de forma simultânea.

Esta mudança está de acordo com a jurisprudência do STJ e do Tribunal de Contas da União (TCU), principalmente em relação a sua Súmula 96, que informa:

Conta-se para todos os efeitos, como tempo de serviço público, o período de trabalho prestado, na qualidade de aluno- aprendiz, em Escola Pública Profissional, desde que comprovada a retribuição pecuniária à conta do Orçamento, admitindo-se, como tal, o recebimento de alimentação, fardamento, material escolar e parcela de renda auferida com a execução de encomendas para terceiros.7 

Assim sendo, é preciso, obrigatoriamente, a comprovação de remuneração à conta da União.

Isso porque a simples menção de remuneração por alimentação, material escolar, fardamento ou outros tipos de benefícios de caráter não pecuniários não são capazes de demonstrar a existência de vínculo empregatício do Aluno-Aprendiz com a escola técnica, tampouco o efetivo trabalho realizado pelo segurado.

Vale dizer que em 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) alterou o seu entendimento sobre o cômputo do tempo de Aluno-Aprendiz para fins previdenciários.

Segundo o Supremo, para que o período como Aprendiz seja utilizado, é necessário que a contagem do tempo de serviço demonstre a efetiva execução do ofício para o qual recebia instrução, mediante encomendas de terceiros.

Confira a decisão:

CONTRADITÓRIO. PRESSUPOSTOS. LITÍGIO. ACUSAÇÃO. O contraditório, base maior do devido processo legal, requer, a teor do disposto no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal, litígio ou acusação, não alcançando os atos sequenciais alusivos ao registro de aposentadoria. PROVENTOS DA APOSENTADORIA. TEMPO DE SERVIÇO. ALUNO-APRENDIZ. COMPROVAÇÃO. O cômputo do tempo de serviço como aluno-aprendiz exige a demonstração da efetiva execução do ofício para o qual recebia instrução, mediante encomendas de terceiros. (MS 31518, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 07/02/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-202 DIVULG 05-09-2017 PUBLIC 06-09-2017).8 

Para explicar melhor, dou um exemplo: um aluno é aprendiz de marcenaria em uma escola técnica, produzindo carteiras escolares durante o seu aprendizado.

A escola em que o segurado estuda fornece esses móveis para outras escolas, e as encomendas feitas pelas outras instituições de ensino caracterizam a remuneração ao aluno.

A maior dificuldade encontrada para o cômputo desse tempo para fins de aposentadoria é que as escolas dificilmente têm controle sobre as encomendas da produção de alunos, e é exatamente por isso que essas instituições raramente conseguem atestar isso na certidão de Aluno Aprendiz.

Apesar de ser uma decisão do STF, ela não é dotada de Repercussão Geral. Portanto, não vincula todos os tribunais do Brasil.

Pelo que podemos perceber, as alterações foram bastantes danosas aos Alunos-Aprendizes, uma vez que é preciso cumprir os seguintes requisitos:

  • aprendiz ter recebido auxílio financeiro (bolsa) ou material da escola;
  • a despesa ter sido custeada com dinheiro do Governo Federal;
  • a auxílio ter sido pago para compensar trabalho realizado pelo aluno;
  • a produção ter sido fornecida a terceiros mediante encomenda.

Vale dizer que estes 4 requisitos sempre foram utilizados nas decisões dos Juizados Especiais Federais, pois adota-se o entendimento da TNU.

Porém, o posicionamento atual é que estes requisitos passam a ser exigidos de forma simultânea.

Ou seja, o Aprendiz precisa comprovar que, na época em que estudava, cumpria os 4 requisitos ao mesmo tempo.

 

Conclusão

Visto todo o conteúdo explicado neste breve artigo, deduzo que os segurados que tenham prestado serviços na condição de Aluno-Aprendiz, podem conseguir ter este período reconhecido como tempo de contribuição no RGPS se comprovar, de forma simultânea, que seu trabalho havia:

  • retribuição consubstanciada em prestação pecuniária ou em auxílios materiais;
  • à conta do Orçamento;
  • a título de contraprestação por labor;
  • na execução de bens e serviços destinados a terceiros.

Na prática previdenciária, percebo que o INSS, na maioria das vezes, não reconhece o tempo do Aluno-Aprendiz como período contributivo.

A discussão na Justiça pode ser mais favorável, dependendo da situação do segurado.

No entanto, o advogado previdenciário deve se atentar a estes períodos caso esteja considerando o referido tempo para completar o direito ao benefício de seu cliente ou até mesmo esteja pensando em uma revisão de benefício.

Isso porque a consideração de períodos trabalhados na condição de Aluno-Aprendiz pode ser uma faca de dois gumes.

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Ben-Hur Klaus Cuesta Duarte

 

Referências

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1. BRASIL. Decreto-Lei Nº 5.452/1943. Disponível em: https://bit.ly/3mgekpm. Acesso em: 25 out. 2021.

2. BRASIL. Instrução Normativa 77/2015. Disponível em: https://bit.ly/3BmHhUR. Acesso em: 25 out. 2021.

3. BRASIL. Instrução Normativa 77/2015. Disponível em: https://bit.ly/3BmHhUR. Acesso em: 25 out. 2021.

4. BRASIL. Instrução Normativa 77/2015. Disponível em: https://bit.ly/3BmHhUR. Acesso em: 25 out. 2021.

5. BRASIL. Decreto 3.048/1999. Disponível em: https://bit.ly/3mgzgMW. Acesso em: 25 out. 2021.

6. TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO. Súmula 18. Disponível em: https://bit.ly/3BtK13b. Acesso em: 26 out. 2021.

7. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Súmula 96. Disponível em: https://bit.ly/2XLYn0L. Acesso em: 26 out. 2021.

8. STF – MS: 31518 DF – DISTRITO FEDERAL 9965018-75.2012.1.00.0000, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 07/02/2017, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-202 06-09-2017.

 

 

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