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Prelúdio – Nas Entrelinhas

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Iniciar uma coluna é uma tarefa resfolegante, em que torna-se necessário declarar posicionamentos, estilos, objetivos, praticamente, um manifesto. Além de tomar as devidas precauções no sentido de evitar que no afã de simplificar temas, passe a literatejar.

Com intuito de esclarecer tais questões ao leitor, sem tergiversar, começo com minha inquietação inicial: como tornar a interpretação de contratos algo aprofundado e ao mesmo tempo fácil de ser feito ?

Estudantes passam, pelo currículo mínimo, por três matérias na faculdade analisando obrigações, contratos em geral e contratos em espécie e, será somente na prática, com as vicissitudes de trabalhar na área, que compreenderão como redigir documentos enxutos, simples de serem interpretados.

Antes de trazer o dia-a-dia contratual, começaremos essa jornada do marco zero, com a contextualização do que é contrato. No entender de Pontes de Miranda: “contrato é o negócio jurídico (ou o instrumento jurídico) que estabelece entre os figurantes, bilateralmente ou plurilateralmente, relações jurídicas, ou as modifica, ou as extingue”. 1

Puerilmente, o contrato nada mais é do que um acordo de vontade de duas ou mais pessoas, que decidem expressar seus desejos quanto a uma relação jurídica.

Assim sendo, a vontade é o elemento principal, ao meu ver, na interpretação contratual. Dessa forma a análise dos elementos volitivos, que são a exteriorização da vontade  que está no campo das ideias para o  mundo real, torna-se uma das tarefas com maior nível de nuances a serem analisadas. Uma vez que se a vontade estiver viciada, o consentimento dado também o será.

Aqui entramos no objetivo do texto de hoje, para essa vontade ser válida é necessário que a pessoa tenha intenção e conhecimento sobre a relação jurídica. Os contratantes não  podem ter sido induzidos ao negócio por meio de subterfúgios.

Por mais que a busca da vontade livre possa parecer uma utopia, considerando que boa parte das vezes somos movidos por induções, seja de publicidade, seja por pressões sociais, sempre precisamos ter a boa-fé ao positivar pactos. Ficará difícil comprovar posteriormente qual seria a vontade, por essa razão, ao redigir um contrato, deixem claros os desejos de todas as partes. Caso uma cláusula puder ser interpretada de diversas maneiras, ela não estará bem escrita.

Na vida prática sobram exemplos de contratos que faltam com a boa-fé na tentativa de levar a outra parte ao erro.  Fato relativamente comum, é a contratação de uma apólice de seguro de automóvel.  Em um primeiro momento, a apólice alega que a cobertura é total, no entanto, faz uma remissão que poderão haver exceções na íntegra contratual. Contudo, esse contrato não é entregue ao cliente, que ao perguntar por ele, recebe aquela comum resposta  de que “está no site”.  O cliente que imagina que a lanterna estará coberta por eventuais batidas mas tem essa cobertura negada após um sinistro, inicia a odisseia pelo contrato, deparando-se com um site confuso e repleto de informações. Ao encontrá-lo, percebe que aquele contrato possui mais de trinta páginas. Na página dois, está escrito que haverá cobertura, no entanto, aqueles que tem ânimo –ou necessidade– de chegar a página 23, descobrem que aquela lanterna específica não está coberta, pelo fato de não ser refletiva.  Fato que não imaginava e não o foi informado expressamente.

O que valerá? Resta a dúvida que caberá a um magistrado decidir em caso concreto. No entanto, ao meu ver, não parece que a seguradora poderia levar vantagem por ter escrito um contrato demasiadamente longo e propositalmente confuso. Como regra jurídica, não é possível se aproveitar da própria torpeza.

Resta o alerta para aqueles que buscam contratar, se um instrumento contratual não foi prontamente entregue, de forma fácil e clara, existe o risco de nefastas consequências.  É direito de qualquer contratante ter seu instrumento refeito, quantas vezes for necessário, a fim de que se adeque a vontade das partes.

Esse prelúdio de Nas Entrelinhas, terá o objetivo de descomplicar o direito contratual, trazer luz para questões que o público em geral, normalmente, não conhece. Com intuito de que a partir desse conhecimento sobre o que dispõe um pacto, que realmente seja possível dizer que estamos nos aproximando de um consentimento informado.

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Mariana Almirão de Sousa

 

Referências

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1. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo III – Negócio Jurídico. Atualizado por Marcos Bernardes de Melo e Marcos Ehrhardt Jr.. 1ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 282.

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