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Quais os desafios para o Direito Internacional referente à existência de uma Internet descentralizada?

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Na contemporaneidade a Internet gera intensas discussões em âmbito internacional referente à sua regulamentação, todavia, o conceito de Internet não se manteve inerte, evoluindo de maneira a reivindicar sua emancipação através de mecanismos descentralizados, que deram origem a chamada Web 3.0, também conhecida como Internet descentralizada.

Isto posto, o problema e objeto da presente investigação trata-se do surgimento da Internet descentralizada, que permite através da tecnologia da blockchain que seus usuários postem conteúdos de forma irrestrita, ou seja, sem a possibilidade de remoção de conteúdo.

Desta forma, questiona-se: quais os desafios do Direito Internacional Privado referentes a existência de uma Internet descentralizada?

Tem-se como hipótese que os desafios da Web 3.0 se relacionam com a impossibilidade técnica de uso mecanismos de proteção contra eventuais abusos, que trazem como reflexo jurídico a ausência de jurisdição dos países sobre a Internet.

No tocante a metodologia, será utilizado o método lógico dedutivo a partir da revisão bibliográfica, buscando conceitos técnicos tanto da tecnologia quanto do Direito Internacional.

Inicialmente o resumo irá investigar a evolução da internet, com o objetivo de compreender a Web 3.0. Portanto, será necessário a análise de conceitos tecnológicos referentes ao ambiente virtual e ao ecossistema descentralizado.

Por fim, será pontuado os aspectos do Direito Internacional que se relacionam com a Web 3.0, objetivando a identificação dos desafios de tal tecnologia para o Direito Internacional Privado.

No início, nos anos noventa a Internet vivenciava sua primeira versão, conhecida como Web 1.0, na qual tudo era extremamente centralizado. Tal versão não possuía ferramentas algorítmicas para busca de endereços eletrônicos, o que tornava a tarefa de encontrar um endereço virtual algo extremamente penoso. Em síntese, um ponto de destaque desta fase se trata da produção centralizada de conteúdo, que era realizado somente por um grupo seleto de pessoas.1

Em seguida, a Internet avançou para sua próxima fase, conhecida como Web 2.0, que é justamente a Internet nos moldes que a temos na contemporaneidade. Segundo O’Reilly2 esta fase da Internet é marcada pela geração de comunidades virtuais, tal como redes sociais, blogs e wikis. Deste modo, ao contrário da Web 1.0, a geração de conteúdo é feita por todos, ou seja, as plataformas (embora centralizadas) disponibilizam para seus usuários a possibilidade de produzir conteúdo.

A próxima fase da Internet é a Web 3.0, que se trata de uma Internet totalmente descentralizada, onde a produção de conteúdo e a existência da própria Internet é mantida exclusivamente pelos seus usuários através da tecnologia da blockchain.3

Em síntese, a blockchain é um sistema que registra informações no espaço-tempo, assim como um livro razão, de forma que tal registro seja impossível de ser alterado.4 Ademais, a existência da Web 3.0 ocorre por meio de uma arquitetura de rede descentralizada, chamada de rede peer-to-peer,5  que inviabiliza seu desligamento forçado, haja vista que cada usuário da Internet se torna o seu mantenedor, ou seja, o usuário e o servidor figuram o mesmo polo.6

Adentrando ao Direito Internacional, Araujo7 leciona que situações com conflitos Internacionais esbarram em três perguntas nucleares, a saber: o local competente a ser acionado, a lei a ser aplicada e a forma de executar atos e decisões estrangeiras.

Embora a Internet descentralizada esteja em um local abstrato (isto é, podendo estar espalhada ao longo de vários servidores descentralizados), fisicamente um usuário encontra-se sob o escopo de alguma jurisdição, portanto, um dos desafios para o Direito Internacional é a identificação de tal jurisdição, a fim que ocorra a análise da competência.

Portela8 esclarece que, para estabelecer a competência deve ser utilizado o princípio da territorialidade, em que o Estado estabelece internamente limites territoriais onde exerce sua jurisdição.

Todavia, nem sempre há consenso neste limite, podendo haver:

[…]um conflito positivo de competência internacional, quando os Direitos internos de dois ou mais Estados definem que seus respectivos Judiciários são internacionalmente competentes. Por outro lado, pode haver um conflito negativo de competência, quando nenhum juiz ou corte nacional for competente para decidir uma causa”.9 

Além disso, há também casos onde se aplica a extraterritorialidade, no qual um país estabelece a aplicação de sua lei além de seus limites territoriais.10 Cabe mencionar que comumente normas relacionadas à Internet se utilizam da extraterritorialidade, como é o caso da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) e do Marco Civil.

Ademais, Parrish11 tece uma crítica ao uso da extraterritorialidade, pois tal uso traz como consequência a substituição da Lei Internacional. Segundo o autor, tal substituição tem como resultado algo lamentável, pois as leis extraterritoriais criam leis domésticas extraterritoriais que são uma ameaça à Comunidade Internacional.

Consoante ao que foi investigado, a Internet não é a mesma desde sua criação, isto é, não se trata de uma tecnologia estática, mas sim de uma tecnologia em constante evolução. Isto posto, do ponto de vista jurídico cabe ao operador do Direito acompanhar tal evolução a fim de compreendê-la e dirimir eventuais conflitos.

No tocante aos desafios ao Direito Internacional, tem-se que o maior problema não se trata de como o Estado pode exercer sua jurisdição, mas sim se ele é capaz de exercê-la. Deste modo, a hipótese mostrou-se verdadeira, evidenciando que a Web 3.0 traz desafios ao Direito Internacional em razão de sua impossibilidade técnica de controle.

Portanto, uma internet descentralizada traz desafios ao Direito Internacional no tocante a aplicação da jurisdição, seja ela pelo critério da territorialidade ou da extraterritorialidade, ou seja, o maior problema não se trata do escopo jurídico do Direito Internacional, mas sim do escopo técnico, pois a Internet descentralizada é capaz de se autogerenciar e impossibilitar eventuais identificações de usuários, bem como impossibilitar a remoção de conteúdo em razão da tecnologia da blockchain.

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Pedro Alberto Alves Maciel Filho

 

Referências

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1. VERMAAK, Werner. What Is Web3.0. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3GuP59R. Acesso em 4 de fev. de 2022.

2. O’REILLY, Tim. What Is Web 2.0. 2005. Disponível em: https://bit.ly/3uqqpgp. Acesso em 4 de fev. de 2022.

3. VERMAAK, Werner. What Is Web3.0. 2021. Disponível em: https://bit.ly/35TQWZe. Acesso em 4 de fev. de 2022.

4. NAKAMOTO, Satoshi.  Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System. 2008. Disponível em: https://bit.ly/3GtAxqP. Acesso em 4 de fev. de 2022.

5. Trata-se de um tipo de rede que distribui tarefas para seus pares, ou seja, cada par coopera entre si de maneira que ocorra uma auto-organização que torna desnecessário um servidor central.

6. VERMAAK, Werner. What Is Web3.0. 2021. Disponível em: https://bit.ly/35I0Cps. Acesso em 4 de fev. de 2022.

7. ARAUJO, Nadia de. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.

8. PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado: Incluindo Noções de Direito Humanos e Direito Comunitário. 9 ed. Salvador: Juspodivm, 2017.

9. PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado: Incluindo Noções de Direito Humanos e Direito Comunitário. 9 ed. Salvador: Juspodivm, 2017. p.693-694.

10. YAMAKAWA, Ryuichi. Territoriality and Extraterritoriality: Coverage of Fair Employment Laws after EEOC v. ARAMCO, North Carolina Journal of International Law, v. 17, n. 1, p. 71, 1992. Disponível em: https://unc.live/3HAxFtK. Acesso em 4 de fev. de 2022.

11. PARRISH, Austen. Reclaiming International Law from Extraterritoriality, Minnesota Law Review, 2009. Disponível em: https://bit.ly/3uv8dlQ. Acesso em 4 de fev. de 2022.

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