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Recurso Extraordinário Nº 580.252 e Dificuldades Atuais Frente às Novas Tendências da Responsabilidade Civil

barras de uma cela, com correntes

A Responsabilidade Civil moderna encontra, em suas hodiernas transições, problemáticas em que respostas fáceis dificilmente são encontradas, quer seja na jurisprudência, na doutrina ou no campo legislativo. Neste sentido, algumas questões restam como não solucionadas de forma eficiente nem mesmo quando encontram repercussão geral e adentram a esfera do Supremo Tribunal Federal, de modo que as novas tendências e os princípios basilares da Responsabilidade Civil se demonstram fragilizados.

Sob este viés, faz-se imperioso analisar, dentro da seara cível, o Recurso Extraordinário nº 580252,1 julgado pelo Supremo Tribunal Federal em 2017, ocasião que reconhecida a lesão aos direitos fundamentais dos indivíduos em situação carcerária, pelas condições extremamente degradantes em que se encontram sujeitos.

A situação prisional brasileira encontra-se em crítico estado, de forma que se demonstram recorrentes as adversidades relacionadas à superlotação, saúde precária dos presos, falta de higiene nas dependências, abusos de terceiros, má administração pública, etc. Estes fatores, sejam per si ou em conjunto, são agravantes das condições degradantes e inadequadas que evidenciam a realidade prisional, acentuada pela cultura do encarceramento em massa.

O paradigmático Recurso Extraordinário 580.252 destaca a responsabilidade estatal – prevista legalmente no artigo 37, § 6º da Constituição Federal de 19882 –, de forma a esclarecer que as normas do ordenamento jurídico pátrio garantem ao indivíduo privado de sua liberdade condições e padrões mínimos de humanidade, vez que é dever do Estado lhe garantir sua integridade psíquica e física, conforme explícito no artigo 5º, incisos III3 e XLIX4 da Constituição Federal de 1988.

Ao se analisar a compensação ante os manifestos danos de caráter moral sofridos de forma recorrente pelos presos (que, inclusive, não são objeto de mensuração, não constituindo-se como restituição, mas sim reparação) possíveis pelas condições citadas alhures, o STF decidiu pela compensação monetária no montante de R$2.000,00 (dois mil reais).

Em primeira análise, a compensação no referido montante por si apresenta incertezas: a compensação monetária atribuída é considerada ínfima em relação à condição do preso, como se o presidiário possuísse despicienda relevância na busca por seus direitos fundamentais – em especial a dignidade da pessoa humana – do que o cidadão que se encontra no gozo de sua liberdade, sendo que a fixação do valor de dois mil reais ao presidiário lesado por tais situações é incoerente com as inclinações atuais do Poder Judiciário sobre a matéria.

Noutro giro, deve se destacar que a realidade fática exprime adversidades no tangente à impossibilidade, em termos financeiros, de compensação dos presos do país que se encontram em cenário congênere, uma vez que os cofres públicos não possuem recursos suficientes para tanto.

Em vista do exposto, percebe-se a tênue linha em que o ordenamento jurídico brasileiro se encontra. Primeiramente, se indaga em como deverá o Judiciário proceder na aplicação da quantificação de danos extrapatrimoniais. Em sequência, questiona-se a possibilidade lógica de reparação dos danos causados a todos que se encontram em situação equivalente. A Responsabilidade Civil, portanto, resta como prejudicada tanto em seus avanços hercúleos, quanto em seus conceitos basilares.

Portanto, ante a inexistência satisfatória de soluções de cunho imediato na questão, por hora, deve o Poder Público viabilizar a adoção técnicas de gerenciamento de riscos, que abrangeriam o cerne preventivo – que se traduz como a faceta mais relevante da Responsabilidade Civil do século XXI –, impedindo a ocorrência de novos danos aos que se encontram sob sua tutela, de forma que, por consequência lógica, sem a presença destes novos danos, não serão afetados de modo direto os princípios constitucionais elencados, possibilitando as mínimas condições existenciais em ambientes prisionais, algo que se demonstra como realidade em nações superiormente avançadas em suas técnicas de Políticas Públicas.

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Caio César do Nascimento Barbosa

Fabrícia Barbosa Vicente

 

Referências

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1. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário 580252. Relator: Min. Teori Zavascki. Data de Julgamento: 16/02/2017. Tribunal Pleno. Data de Publicação: DJE 11-09-2017. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.aspincidente=2600961&
numeroProcesso=580252&classeProcesso=RE&numeroTema=365#. Acesso em: 06 jul. 2021.

2. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 08 jul. 2021.)

3. Art. 5º,  III: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 08 jul. 2021.);

4. Art. 5º, XLIX: “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 08 jul. 2021.)

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