Para o trabalhador, a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) é o documento mais importante para a formalização do vínculo empregatício. Em razão da sua obrigatoriedade para a admissão em qualquer emprego, o Legislador estabeleceu normas específicas para seu manuseio, restringindo, ao máximo, a livre disponibilidade ao empregador, conforme artigo 13 da CLT.
Em atenção ao princípio de proteção ao trabalhador, a legislação trabalhista estabelece que a devolução da CTPS ao empregado deve ser realizada contra recibo, seguindo o mesmo procedimento utilizado na sua recepção, conforme descrito no artigo 29 da CLT. Além disso, determina que o empregador não pode manter a posse da carteira por um período superior a 48 horas, conforme o artigo 53 da CLT, visando evitar abusos ou retenções indevidas que possam prejudicar o trabalhador.
Embora a modernidade caminhe no sentido da digitalização dos documentos, o que já é uma realidade até mesmo com a Carteira de Trabalho Digital, não há como se desprezar que muitos trabalhadores nem sequer possuem o documento eletrônico, dispondo apenas do documento físico, ainda. Portanto, o empregador não pode perder de vista a formalidade e o prazo exigido pela lei para a anotação e devolução tempestiva do documento.
Para além das sanções administrativas possíveis em caso de fiscalização, a retenção indevida da CTPS por período superior ao estabelecido no artigo 53 da CLT poderá sujeitar o empregador ao pagamento de danos morais ao empregado cuja CTPS foi retida.
Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho possui vasta jurisprudência reconhecendo o dano presumido nos casos em que há retenção indevida da CTPS do trabalhador. Destaque para algumas dessas decisões:
“A) AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMANTE (…) B) RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE . PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RETENÇÃO DA CTPS POR PRAZO SUPERIOR AO PREVISTO EM LEI. VALOR ARBITRADO. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE NÃO OBSERVADOS. Conforme entendimento prevalecente no âmbito desta Corte Superior, a retenção da CTPS por prazo superior ao permitido pelos arts. 29 e 53 da CLT (48 horas), ocasiona ofensa ao patrimônio moral do obreiro, uma vez que o prejuízo, nessas situações, é presumido. Isso porque a retenção da CTPS não só priva o trabalhador de formalizar novos contratos de emprego, como também o prejudica na concorrência do mercado de trabalho, já que o impede de fazer prova de suas experiências anteriores. Entretanto, não há na legislação pátria delineamento do quantum a ser fixado a título de dano moral. (…) (RR-21188-24.2016.5.04.0302, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 19/03/2021). (g.n)
I – RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 1 – DANO MORAL. RETENÇÃO DA CTPS POR PRAZO SUPERIOR AO PREVISTO EM LEI. DANO IN RE IPSA. INDENIZAÇÃO. R$ 2.000,00 (DOIS MIL REAIS). A jurisprudência desta Corte é no sentido de que o extravio ou a retenção da CTPS por lapso temporal superior ao fixado na lei configura ato ilícito passível de ensejar dano moral. No caso dos autos, é incontroverso que a CTPS do reclamante não foi devolvida após findo o prazo previsto no art. 29 da CLT. Dessa forma, ficou configurado o dano moral, o qual deriva da própria natureza do fato, sendo desnecessária a prova do prejuízo moral em si. (…) (RR-113-90.2014.5.12.0005, 2ª Turma, Relatora Ministra Delaide Miranda Arantes, DEJT 21/02/2020). (g.n)
RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. RETENÇÃO DE CTPS. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DANO IN RE IPSA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. (…) RETENÇÃO DE CTPS. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DANO IN RE IPSA. REQUISITOS DO ARTIGO 896, § 1º-A, DA CLT, ATENDIDOS. Na jurisprudência desta Corte firmou-se o entendimento de que a retenção da CTPS por prazo superior ao previsto em lei enseja o pagamento de indenização por dano moral, sendo o dano presumível (in re ipsa). Ou seja, a condenação prescinde de prova do efetivo dano experimentado pelo empregado, bastando a demonstração da conduta ilícita praticada pelo empregador, o que efetivamente ocorreu no caso concreto. Recurso de revista conhecido e provido (RR-13052-10. 2015.5.15.0062, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 20/03/2020). (g.n)
Enquanto avançamos para a era digital e testemunhamos a transição gradual da Carteira de Trabalho para formatos digitais, é importante considerar que a versão física deste documento continua a ser um pilar fundamental para a segurança e a formalização das relações de trabalho no Brasil. As decisões do Tribunal Superior do Trabalho demonstram a seriedade com que os casos de retenção indevida são tratados, destacando o dano moral presumido como um mecanismo de proteção ao trabalhador.
Diante disso, é imprescindível que as empresas exerçam máxima diligência no cumprimento das normativas legais vigentes sobre a gestão e devolução da CTPS. A observância dessas diretrizes não apenas evita repercussões legais adversárias, mas também fortalece a relação de confiança e respeito entre funcionários e empregados, contribuindo para um ambiente de trabalho mais justo e equitativo.