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A guerra fiscal e seus impactos aos cidadãos – parte final

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Caras leitoras e leitores,

Na coluna passada discutimos como os tribunais brasileiros, principalmente o Supremo Tribunal Federal, vêm lidando com a guerra fiscal, dando foco na modulação dos efeitos das decisões judiciais. Na coluna desta semana encerraremos a discussão quanto à guerra fiscal abordando os reflexos de tais decisões na esfera jurídica do cidadão-contribuinte.

Quanto à validade e quanto à realização daquilo que preveem, os atos jurídicos têm o condão de criar legítimas expectativas no contribuinte. Não restam dúvidas de que essa expectativa deve ser resguardada pelas normas e princípios constitucionais e pelas normas infraconstitucionais, especialmente na seara tributária.

Em casos de guerra fiscal, em que o Estado concede um benefício fiscal com o fito de atrair investimentos para sua circunscrição, verifica-se o estabelecimento de um elo de confiança advindo do ato normativo, presumindo o contribuinte que a norma é dotada de juridicidade. No momento posterior, em que o Estado passa a pleitear a cobrança retroativa dos valores que o contribuinte deixou de recolher, acreditando estar sob a benesse de uma isenção tributária, age em “venire contra factum proprium” (vedação ao comportamento contraditório), em conduta totalmente contrária à moralidade administrativa (CRFB/88, art. 37, caput) e, principalmente, à segurança jurídica (CRFB/88, art. 5º, caput).

De acordo com Ávila,1 “em casos em que o benefício fiscal contribuiu para a concretização de finalidades que o próprio Poder Público deveria realizar ou se o benefício deu causa a um empreendimento, cuja continuidade interessa também ao Poder Público, o benefício fiscal não poderá ser anulado ou revogado”. Este também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme pode se extrair das ementas abaixo:

“Tributário – Isenção concedida para incentivar projeto empresarial – Revogação – CTN, art. 178.
A isenção fiscal deve ser revogada tão logo desapareça o interesse público que a motivou. No entanto, se o benefício foi outorgado como incentivo a determinado projeto empresarial, é defeso revogá-la, enquanto se mantiver em execução o projeto. Do contrário, haveria reprovável deslealdade, que não se deve permitir ao Estado. Alcance do art. 178 do CTN”.  Recurso Especial nº 1.073/SP, 1ª Turma, Relator Ministro Gomes de Barros, DJ 12.06.92, p. 9723.2 

 “Tributário. ICM. Isenção. Projeto de interesse nacional. I – Sendo concedida a isenção em razão de projeto de interesse nacional, dito interesse não fica sob o julgo do interesse estadual, mais que o convênio estadual sendo posterior, não pode alterar situação jurídica consolidada”. Recurso Especial nº 9.982/SP, 1ª Turma, Relator Ministro Pedro Acioly, DJ 04.11.1991,p. 8672.3 

“Conclusão inarredável, em face do texto do respectivo ato declaratório, expedido pela autoridade fiscal, onde a entidade é apontada como a principal interessada, vínculo esse que a reveste de legitimidade irrecusável para pleitear o cumprimento daquele ato. Incentivo que, diante das circunstâncias apontadas, se tornou insuscetível de revogação ou modificação, ainda que por efeito de lei, antes de concluídas as obras programadas, sem flagrante atentado ao ato jurídico perfeito. Configuração inequívoca de hipótese excepcionada no artigo 178 do CTN”. Recurso Especial nº 1.841/SP, 2ª Turma, Relator Ministro Ilmar Galvão, DJ 16.04.90, p.157.4 

É, também, o entendimento já exarado pelo Supremo Tribunal Federal:

Fundou-se o acórdão em que (fls. 287- 8): “A revogabilidade da isenção liberalizada por um convênio pode ser determinada através de outro convênio em qualquer tempo, de eficácia imediata, desde ‘que o estado entenda que ela já não corresponde ao interesse público do qual promanou. Mas, há exceções, quando a isenção, pelas condições de sua outorga, conduziu o contribuinte a uma atividade que ele não empreenderia se estivesse sujeito aos tributos da época. Então ela foi onerosa para o beneficiário. Nesses casos, a revogabilidade, total ou parcial, seria um ludíbrio à boa-fé dos que confiaram nos incentivos acenados pelo estado. A doutrina brasileira pronunciou-se nesse sentido, seguindo rumo aberto por Cooley” (Aliomar Baleeiro. Dir. Trib. Brasileiro. art. 178. 7ª ed.).

Recurso Extraordinário nº 113.149, Tribunal Pleno, Relator Ministro Moreira Alves, DJ 13.03.92, p. 544.5 

 Como pode se depreender das ementas acima, em respeito à legítima expectativa do contribuinte e ao princípio da confiança, a Fazenda Pública, ao alegar a inconstitucionalidade da lei que concedeu o benefício tributário, em flagrante participação na guerra fiscal entre entes federativos, não pode obter vantagem de uma conduta ilegal que partiu dela mesmo. Tal situação deve ser totalmente rechaçada pelo sistema jurídico brasileiro, tendo em vista que afronta diretamente preceitos constitucionais e que viola a esfera jurídica de proteção do contribuinte.

Até o nosso próximo encontro!

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Nathan Gomes Pereira do Nascimento

 

Referências

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1. ÁVILA, Humberto Bergmann. Benefícios fiscais inválidos e a legítima expectativa dos contribuintes. 2006. Disponível em: https://bit.ly/3SbFYAL.

2. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. 1.073/SP. Relator Ministro Gomes de Barros. Diário de Justiça Eletrônico. Disponível em:  https://bit.ly/3TtTrVA.

3. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. 9.982/SP. Relator Ministro Pedro Acioly. Diário de Justiça Eletrônico. Disponível em:  https://bit.ly/3TnjNIS.

4. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. 1.841/SP. Relator Ministro Ilmar Galvão. Diário de Justiça Eletrônico. Disponível em:  https://bit.ly/3ySzLTk.

5. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. nº 113.149. Relator Ministro Moreira Alves. Tribunal Pleno. Diário de Justiça Eletrônico. Disponível em:  https://bit.ly/3ScRKuJ.

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