Um recente caso envolvendo uma passageira que recusou ceder seu assento preferencial a uma criança gerou intenso debate público no mês de dezembro de 2024. O episódio se desenrolou quando a mãe da criança solicitou a troca de lugar, alegando que a posição ao lado da janela ajudaria a acalmar o filho de três anos. Com a negativa da passageira, a mãe decidiu gravar a cena e divulgar o vídeo nas redes sociais, expondo a mulher a um julgamento público.1 O caso levanta relevantes questões jurídicas no âmbito da responsabilidade civil e dos direitos no transporte aéreo.
O primeiro aspecto a ser analisado é o direito da passageira em manter o assento previamente adquirido. De acordo com a Resolução nº 400/2016 da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC),2 os passageiros têm o direito de usufruir do assento reservado, salvo por motivos de segurança operacional. A recusa em ceder o lugar, portanto, encontra respaldo legal, configurando exercício legítimo de um direito contratado, o que reforça o âmbito contratual a ser seguido tanto pelas partes, quanto por terceiros. É dizer, em outras palavras e de modo inafastável, que sob tal ótica, a recusa é justificada e a passageira está plenamente em seu direito.
Por outro lado, a divulgação não autorizada do vídeo por terceiros suscita questionamentos sobre responsabilidade civil e proteção ao direito de imagem e privacidade. O ato de expor uma pessoa ao ridículo, de forma vexatória, sem o seu consentimento constitui violação ao direito à imagem, garantido tanto pelo Código Civil (artigos 20, 186 e 927) quanto pela Constituição Federal (artigo 5º, X). Esses dispositivos asseguram a inviolabilidade da dignidade e da honra, cabendo a quem divulgou o conteúdo a responsabilidade por eventuais danos causados.
O uso inadequado das redes sociais agrava o impacto de situações como essa, em que a viralização de vídeos, descontextualizados ou não autorizados, amplifica o alcance da exposição pública. A responsabilidade recai sobre quem grava e dissemina o material, dado que a conduta pode causar sérias consequências emocionais, sociais e reputacionais para a pessoa exposta.
No caso em espeque, ainda que a divulgação não autorizada tenha dividido opiniões públicas – com ataques de ódio à ambas partes, típico da “cultura do cancelamento” que também podem ser alvo de demandas judiciais3 – a “moça do avião”, Jennifer Castro, teve aparentes benefícios com o episódio: em questão de dias, viu o seu perfil no Instagram chegar à mais de dois milhões de seguidores.
O caso, em certas linhas, lembra o que aconteceu com a influenciadora Juliette, em 2021:
[…] Juliette Freire adquiriu milhões de seguidores nas mídias sociais durante sua participação no referido programa de televisão, sem que tivesse conhecimento à época e, após sua saída do programa, passou a atuar de modo significativo nas redes sociais, bem como, iniciou sua carreira como cantora.4
Tal como a cantora, a “moça do avião” não esperava que fosse, em questão de dias, se tornar uma mega influenciadora – que já está realizando publicidades em sua rede social, ou seja, auferindo lucros com o episódio. Assim, ainda que seja possível requerer uma indenização contra quem divulgou o vídeo vexatório, é extremamente improvável que isto aconteça.
O episódio em linhas gerais, chama atenção para o uso indevido de tecnologias em redes sociais, que possuem o condão de agravar os danos potenciais, especialmente em casos de viralização de conteúdo. O compartilhamento de vídeos sem contexto ou autorização prévia pode intensificar o julgamento social sobre a conduta das partes envolvidas, intensificados pela cultura do cancelamento.
Neste cenário, a responsabilidade de quem realiza a gravação e disseminação do conteúdo torna-se central, dado o risco de consequências psicológicas e sociais para a pessoa exposta. Ademais, enquanto a passageira estava legalmente amparada em sua recusa, o comportamento de terceiro ao expô-la sem autorização ultrapassou os limites do razoável. Este cenário revela a importância de abordar conflitos de maneira ética e respeitosa, promovendo soluções conciliatórias sem expor terceiros indevidamente, promovendo-se a chamada responsabilidade social.
Assim, o episódio evidencia a necessidade de maior conscientização sobre os impactos éticos e sociais do uso das redes sociais. As plataformas digitais, ao democratizarem o acesso à informação, também ampliaram o alcance de condutas prejudiciais. O comportamento ético exige, nesse contexto, um compromisso coletivo com o respeito à dignidade humana e à privacidade, visando minimizar os danos causados pela viralização de conteúdos sensíveis ou descontextualizados.
Além disso, a responsabilidade social nas redes não se limita à postura individual, mas também envolve o papel das plataformas digitais em moderar e coibir a disseminação de conteúdos que possam ferir direitos fundamentais. A combinação de políticas eficazes de monitoramento e educação digital pode contribuir para um ambiente virtual mais saudável, onde as interações sejam pautadas por respeito e empatia. Dessa forma, conflitos e divergências podem ser geridos de maneira ética, evitando danos às pessoas expostas.
Referências
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1. G1. Polêmica no avião: entenda o caso da mulher que viralizou ao ser exposta por não ceder lugar para criança. 2024. Disponível em: link. Acesso em: 12 dez. 2024.
2. Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Resolução nº 400, de 13 de dezembro de 2016. Dispõe sobre as Condições Gerais de Transporte Aéreo. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 14 dez. 2016. Disponível em: link. Acesso em: 12 dez. 2024.
3. BARBOSA, Caio César do Nascimento. Quem cancela os canceladores? A cultura do cancelamento na Idade Mídia e o hate speech. Portal Magis, Belo Horizonte, 2022. Disponível em: link. Acesso em: 12 dez. 2024.
4. SILVA, Michael César; GUIMARÃES, Glayder Daywerth Pereira; BARBOSA, Caio César do Nascimento. Digital Influencers e Social Media: repercussões jurídicas, perspectivas e tendências da atuação dos influenciadores digitais na sociedade do hiperconsumo. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2024,, p. 79.