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Etapas do Contrato de Compra e Venda de Imóveis: Cuidados ao redigir o contrato escrito (parte 2)

exame de ordem

Para adquirir um bem imóvel com as necessárias segurança jurídica e financeira, compatíveis com a magnitude e importância da operação, é necessário que as partes se cerquem de muitos cuidados. Após a realização das pesquisas de precaução que compõem a due diligence imobiliária, inicia-se a etapa da elaboração e assinatura do instrumento contratual a partir do qual será regida a compra e venda.

No que tange aos contratos em geral, a regra adotada pelo Ordenamento Jurídico nacional é a da liberdade das formas, conforme se extrai da leitura do artigo 107 do Código Civil de 2002.1 Assim, em regra, para que um contrato realizado entre partes capazes, cuja manifestação de vontade foi livre e desembaraçada, seja considerado válido não é necessário que assuma a forma escrita, podendo produzir plenos efeitos mesmo se for realizado verbalmente.

Porém, conforme expressa a parte final do mesmo artigo supracitado, há situações nas quais a lei exige forma específica para que o contrato tenha validade jurídica. Esse é o caso dos contratos de compra e venda de imóveis, os quais devem ser obrigatoriamente realizados por escritura pública quando tiverem como objeto a compra e venda de imóvel de valor superior a 30 vezes o maior salário mínimo vigente no país, uma vez que se trata de negócio jurídico que dispõe sobre a transferência de direito real sobre bem imóvel, qual seja, o direito de propriedade. Tal exigência decorre do art. 108 do Código Civil de 2002.2

Assim, o primeiro cuidado a ser tomado na realização da compra e venda de bem imóvel é que seja realizada por instrumento público, preferencialmente por meio de um contrato escrito, o qual especificará de forma clara todos os deveres e obrigações das partes contratantes, evitando eventuais problemas futuros.

No que tange ao instrumento contratual escrito, há algumas cláusulas que são fundamentais para que as partes alcancem o resultado jurídico pretendido. Essas cláusulas podem ser divididas em cláusulas gerais, cuja presença será primordial em todos os contratos; e cláusulas especiais, as quais serão dispostas nos documentos caso as partes queiram a produção de alguns efeitos específicos.

Inicialmente, ressalta-se que as partes devem ser devidamente qualificadas no preâmbulo do contrato. Tal requisito pode parecer óbvio e simplório à primeira vista, mas deve ser redigido com atenção, pois, a depender das características das partes, o negócio jurídico entabulado pode padecer de vícios de nulidade3 ou anulabilidade.4 Portanto, é essencial que as partes sejam devidamente qualificadas para que se analise se elas são capazes de praticarem este ato da vida civil; se elas precisam da anuência do outro cônjuge, caso sejam casadas em regime de bens diverso da separação universal; se a parte está devidamente representada para a prática do ato e etc.

Após, o instrumento contratual, na cláusula do objeto, deve conter uma descrição detalhada do bem imóvel cuja titularidade está sendo transferida, de forma a evitar eventuais desentendimentos em relação a quaisquer características do bem, como tamanho do terreno e as construções que contém. Assim, a individualização do imóvel na cláusula do objeto do contrato deve ser realizada de acordo com as informações que constam na matrícula de imóvel, e, ainda, de acordo com as características físicas observáveis no bem, as quais nem sempre estão atualizadas no documento da matrícula.

Inclusive, na descrição do imóvel podem estar contidas informações acerca de eventuais gravames ou restrições existentes no bem, como a vigência de contrato de locação averbado na matrícula do imóvel, tombamento do bem, constrições judiciais e etc. O fato dessas informações constarem na descrição do imóvel impede que eventuais litígios em razão dessas restrições sejam iniciados, uma vez que as partes assinaram o contrato cientes dessas questões.

Além disso, é importante que conste no contrato de forma expressa e exata o preço a ser pago pelo comprador e a forma de pagamento. Assim, é importante que seja especificado se haverá entrada e em qual valor; se será dividido em parcelas, e, em caso positivo, sua quantidade e valores; se o pagamento ocorrerá por meio de transferência, PIX, ou outras formas; se será oferecida alguma garantia e etc. Além disso, caso o pagamento do preço ocorra de forma parcelada, é essencial que sejam previstas penalidades a serem aplicadas no caso de atraso, como a aplicação de juros e multa moratória.

Outrossim, é imprescindível que o contrato entabulado preveja a distribuição dos direitos e obrigações das partes decorrentes da operação, de forma a definir de quem é a responsabilidade de pela preservação do bem antes da tradição, assim como de quem será a responsabilidade pela sua perda e deterioração; quem deverá arcar com os encargos tributários e obrigações propter rem do bem, como taxas de condomínio; a data na qual o vendedor deverá entregar o bem ao comprador; qual parte deverá providenciar a regularização dos documentos do bem e arcar com as custas cartorárias e registrais; como será a responsabilidade pela evicção, entre outras. Tais obrigações devem estar previstas de forma clara e expressa para evitar desentendimentos e descumprimentos pelas partes.

Outra questão relevante a ser tratada no contrato de compra e venda de imóveis diz respeito às hipóteses de rescisão e extinção do negócio. Dessa forma, é importante que o contrato estabeleça se será possível a ocorrência de rescisão voluntária por decisão unilateral das partes, além de eventuais cobranças de indenização ou multa rescisória em decorrência de tal decisão. Ademais, o contrato deve prever as hipóteses nas quais o contrato se dará por rescindido pela atuação culposa das partes quando descumprirem o contrato, além da multa e indenização também cabíveis nessa situação.

No que tange à rescisão, é necessário que se tome cuidado com os valores estipulados de multa, cláusula penal ou indenização, para que não assumam um valor abusivo que possa ser reformado judicialmente, assim como deve ser especificada a base de cálculo desses encargos.

As questões citadas acima dizem respeito a cláusulas básicas que devem estar presentes nos contratos de compra e venda de imóveis em geral, para que as partes se cerquem da maior segurança jurídica possível. Porém, a depender dos efeitos pretendidos pelos contratantes, é possível que o contrato tenha que conter outras previsões mais específicas, como a cláusula de retrovenda, caso o vendedor queira se reservar o direito de reaver o bem mediante a devolução do preço pago ao comprador;5 cláusula de preferência, para que o vendedor tenha a preferência na compra o vem, caso o comprador queira vendê-lo futuramente,6 entre outras cláusulas específicas.

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Ana Tereza Costa Rocha

 

Referências

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1. Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir. (BRASIL, Código Civil. Lei 10.406/2002. Disponível em: https://bit.ly/3Gir6fl. Acesso em: 17 out. 2021).

2. Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. (BRASIL, Código Civil. Lei 10.406/2002. Disponível em: https://bit.ly/3Gir6fl. Acesso em: 17 out. 2021).

3. Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV – não revestir a forma prescrita em lei; V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.  (BRASIL, Código Civil. Lei 10.406/2002. Disponível em: https://bit.ly/3Gir6fl. Acesso em: 17 out. 2021).

4. Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I – por incapacidade relativa do agente; II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. (BRASIL, Código Civil. Lei 10.406/2002. Disponível em: https://bit.ly/3Gir6fl. Acesso em: 17 out. 2021).

5. Art. 505. O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias. (BRASIL, Código Civil. Lei 10.406/2002. Disponível em: https://bit.ly/3Gir6fl. Acesso em: 17 out. 2021).

6. Art. 513. A preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto.(BRASIL, Código Civil. Lei 10.406/2002. Disponível em: https://bit.ly/3Gir6fl. Acesso em: 17 out. 2021).

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