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Inteligência Artificial e Processo

Códigos de inteligência artificial em fundo azul, representando a coluna direito 4.0: fronteiras digitais do portal jurídico magis

Há pouco mais de um mês, tive a felicidade de ser contatado pela equipe do Magis para integrar o rol (extremamente qualificado) de seus colunistas, editando, mensalmente, uma coluna própria sobre Processo Civil. Por um lado, estava festejando esse convite, entrementes, por outro, fiquei um tanto quanto ansioso pela tarefa que tinha, a partir de agora, em mãos: mensalmente, poder contribuir com reflexões para fomentar o debate no tema de minha expertise; cá, portanto, não vi outro nome para esta coluna do que não “O Processo Civil nosso de cada dia”, um espaço para o debate de temas hodiernos sobre esse eixo tão pragmaticamente caro para não ser epistemologicamente correspondido em mesmo nível. Assim, para a matéria inaugural desta coluna, pensei em trazer uma discussão que tive no decorrer da última semana: a Inteligência Artificial e o Processo. Precisamente, um acadêmico entrou em contato comigo e esboçou indignação sobre esse tema, considerando-o como fantasioso e utópico em relação à nossa sociedade. Abaixo, minha resposta para ele (com modificações substanciais necessárias para a matéria).

Antes de estabelecermos a relação pretendida, julgo fundamental delimitarmos o significado de Inteligência Artificial, afinal, talvez por conta de filmes que abordam o tema, para quem ainda não teve o seu primeiro contato com esse assunto, quiçá acredite que a Inteligência Artificial representaria, meramente, uma máquina construída a partir do molde do corpo humano, que age como se humano fosse e que poderia, em um futuro não tão distante, nos substituir na sociedade. Isso é fantasioso. Mesmo que inexista consenso sobre o que ela seria, uma conceituação vastamente difundida é a apresentada por Marvin Minsky, para quem a inteligência artificial é a ciência de fazer as máquinas fazerem aquilo que necessitaria de inteligência se feita pelo ser humano. Portanto, quando se fala sobre Inteligência Artificial, nos moldes do que presenciamos na seara tecnológica da atualidade, falamos de uma máquina, seja física ou apenas um software, arquitetada por meio de algoritmos, para realizar funções que até então apenas poderiam ser desempenhadas pelo ser humano.

Podemos estudá-la em duas perspectivas: na da (1) Inteligência Artificial fraca (ou, também, denominada por Inteligência Artificial débil) e na da (2) Inteligência Artificial forte. Respectivamente, a primeira representa a máquina desenvolvida para auxiliar o ser humano em situações que exigem trabalhos repetitivos e padronizados. Compreende-se como fraca, porquanto a sua programação tão somente simula o pensamento (aqui estão, por exemplo, a Alexa, o Google Home, a Cortana, a Siri, dentre outros assistentes virtuais que nos auxiliam diariamente e responder questões simples como a temperatura, o clima, trânsito, programação de despertadores, reprodução de músicas, dentre tantas outras funções). Já, a Inteligência Artificial forte, representa uma máquina ou software que possui a capacidade similar à do cérebro humano. Ela é capaz de, inclusive, dispensar a intervenção do ser humano em algumas situações, visto a sua capacidade cognitiva de aprender por si a partir de experiências pretéritas (machine learning).

Com esses apontamentos iniciais (extremamente pertinentes para afastarmos alguns misticismos que assombram esse tema tão relevante), passemos ao tema desta matéria a partir de uma provocação: se eu falasse acerca do projeto de criação de um juiz-robô, você acreditaria? Essa situação foi noticiada na Estônia, país que está investindo na criação do primeiro juiz-robô do mundo (um exemplo de Inteligência Artificial forte), cuja função será a de atuará em situações relativamente simples, para causas de menor complexidade, e que, a depender do caso, poderão ser revistas por um juiz, agora sim, humano. Esse exemplo é impactante e, sem qualquer dúvida, posso afirmar que se está muito distante disso no Brasil (aliás, tenho os meus motivos para acreditar que o sistema brasileiro jamais conformaria um projeto como esse), mas que a utilização da Inteligência Artificial já nos é crescente, especialmente no Poder Judiciário.

Vejam isso, por exemplo, em nossas Cortes, começando com o Supremo Tribunal Federal e o denominado sistema “Victor”, um software projetado para analisar repercussão geral – a Corte já veiculou que esse sistema realiza a atividade com muita efetividade e com uma celeridade inatingível em comparação aos padrões desempenhados pelos servidores. Outro exemplo é o “bem-te-vi”, do Tribunal Superior do Trabalho, o qual foi projetado para auxiliar na administração dos processos da Corte, analisando questões como tempestividade e incompetência. O Tribunal de Contas da União, possui alguns sistemas de Inteligência Artificial, como o robô “ALICE”, responsável pela leitura de editais de licitações e atas de registro de preços, e o “MONICA”, responsável, por sua vez, pela fiscalização de compras públicas (inclusive, é o supervisor do sistema chamado “ALICE”. O Superior Tribunal de Justiça também pertence à esta lista, com os seus sistemas “Sócrates” e “Athos”, assim como alguns Tribunais de Justiça: no TJRN (o “POTI”, a “CLARA” e o “JERIMUM”), no TJRO (o “SINAPSES” e o “CRANIUM”), no TJMG (o “RADAR”), no TJPE (o “ELIS”), etc.

Na advocacia, podemos falar sobre o “ROSS”, o primeiro “advogado” robô do mundo, projetado para compreender a linguagem humana, compreendendo as demandas apresentadas a ele, apresentando respostas à eventuais questionamentos, formulando hipóteses e acompanhando a tramitação processual, inclusive, na consultoria para advogados (analisando-se a matéria questionada a partir da lei, jurisprudência e doutrinas, entregando uma resposta completa em questão de segundos). No Brasil, entretanto, possuímos o sistema “ELI”, não é tão avançado como o software estadunidense, porém, funciona no auxílio ao advogado.

Com esse cenário apresentado, busquei demonstrar o quão imerso estamos neste universo sem, muitas vezes, nos questionarmos sobre, ou acharmos que esse assunto é algo futurista (assim como pensava o acadêmico que mencionei ao início desta matéria). Sobre o assunto – e para encerrarmos esta matéria –, posso fazer algumas pontuações em diversas perspectivas. Pragmaticamente – e acredito que seja a preocupação imediata de muitos –, vejo um cenário de crescimento na utilização da Inteligência Artificial, de modo a pensar que é apenas questão de tempo para automatizar as secretarias judiciais, de modo que serviços como juntada de documentos, certificações, remessas de documentos, dentre tantos outros que tombam para um lado mais mecânico, serão gradualmente passados ao encargo da Inteligência Artificial (mediante supervisão de servidor público capacitado – e quero dizer com isso que o chefe de cartório precisará, além dos requisitos que hoje já são exigidos, de capacitação na utilização desses diversos softwares). Essa automatização recondicionará a atuação dos servidores públicos para atividades cognitivas (em gabinete), esta que, a meu ver, está muito distante de ser afetada. A ideia do juiz robô, no Brasil, pelo menos por ora, é polêmica e inviável (pelo que é o nosso sistema jurídico brasileiro, não se comportaria essa inserção). Todavia, não posso dizer o mesmo para a advocacia, afinal, a chegada, no Brasil, de um sistema tão potente quanto o “ROSS” é questão de tempo. Acredito que a demanda de advogados em atuação será drasticamente reduzida, ou, na melhor das hipóteses, veremos o crescimento de escritórios individuais, afinal, especialmente pensando em grandes firmas de advocacia, qual será a necessidade de pagar mensalmente um advogado júnior, ou um estagiário, se eu posso investir alguns milhares de reais em um software que desempenhará as mesmas funções que eles, que irá economizar em espaço físico, e, com o tempo, ceifará despesas trabalhistas no escritório?

O que você pensa sobre esse assunto? Venha conversar comigo nas minhas redes sociais (@guilhermechristenmoller em todas os canais de comunicação) ou mande-me um e-mail (contato@guilhermechristenmoller.com.br) para continuarmos o assunto desta matéria. Aproveito para reforçar o que disse logo no introito desta matéria: quero que esta coluna seja um espaço para podermos promover discussões em nível de estado da arte, de modo que eu precisarei do seu feedback sobre os assuntos tratados aqui, assim como, a sua provocação para explorarmos outros temas da atualidade sobre o Processo Civil.

Fraterno abraço e vejo vocês em abril.

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Guilherme Christen Möller

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