,

O que é uma Constituição? [Parte 02]

pilha de livros

Este é um texto dividido em quatro partes, a primeira introduz o tema e dá panoramas gerais, a segunda traz as classificações das constituições, a terceira traça uma linha histórica acerca das principais constituições no mundo, enquanto a quarta introduz o conceito de supremacia da Constituição e conclui sua definição. Recomenda-se uma leitura conjunta dos capítulos, que serão publicados sucessivamente e disponibilizados de forma gratuita. Abordaremos agora as classificações das constituições, boa leitura!

Como foi tratado na parte um deste estudo, uma Constituição detém a conjugação de textos em matérias variadas, sobre diversos assuntos recorrentes no mundo fático e jurídico. Isso não seria possível sem uma forma organizada e bem delimitada, porquanto todo trabalho exige um método adequado. Nesse contexto, o método pelo qual foi feita e é aplicada a Constituição no sistema jurídico é delimitado pelas classificações das constituições.

A despeito de muitos estudiosos criticarem a divisão das constituições em classificações, é importante ter ao menos uma rápida noção delas. As classificações têm relevância no processo de compreensão das estruturas constitucionais, de maneira a organizar as características que levam à formação, o surgimento e a utilização ou aplicação da Constituição. Entender bem as classificações permite compreender os diferentes tipos de constituições existentes no mundo, suas características, semelhanças e diferenças. Sem mais delongas, vamos a elas.

Além da divisão quanto ao conteúdo, formal ou material, explicado na parte um do texto, a classificação quanto à estabilidade ou alterabilidade é de notória importância. Pode, nesse sentido, a Constituição ser composta de forma rígida, flexível, semirrígida, fixa e imutável, estudaremos agora cada uma delas. “Rígidas são aquelas Constituições que exigem, para sua alteração (daí preferimos a terminologia alterabilidade), um processo legislativo mais árduo, mais solene, mais dificultoso do que o processo de alteração das normas não constitucionais.”1 É importante salientar que no caso brasileiro, à exceção da Constituição de 1824 (apontada como semirrígida), todas as constituições foram e são rígidas.

Flexíveis são as que possuem dificuldade de alteração exatamente igual à das normas infraconstitucionais, isto é, das normas que não estão na Constituição. Semiflexíveis ou semirrígidas são o meio termo entre as rígidas e as flexíveis, algumas matérias são de fácil alteração, enquanto outras exigem o mesmo processo das normas constitucionais. Enquanto as fixas “(…) somente podem ser alteradas por um poder de competência igual àquele que as criou, isto é, o poder constituinte originário. (…) Têm valor apenas histórico, sendo exemplos destas Constituições o Estatuto do Reino da Sardenha, de 1848, e a Carta Espanhola de 1876.”2 As imutáveis, por outro lado, são inalteráveis (um gérmen dessa classificação está presente na atual Constituição brasileira,  se encontra no art. 60, §4º, da CF de 1988, nomeadamente as cláusulas pétreas).3

Outra classificação importante diz respeito à origem, se diz outorgada a Constituição imposta unilateralmente pelo Estado que não recebeu do povo o poder de atuar em nome dele. Alguns exemplos foram a Constituição do Império do Brasil de 1824; a de Getúlio Vargas outorgada em 1937, fortemente inspirada pelos regimes autoritários fascistas; e a controversa Constituição de 1967, elaborada em meio à ditadura militar brasileira, formalmente votada e aprovada, mas em verdade posta unilateralmente pelo regime autoritário. De forma diametralmente oposta, usa-se o termo promulgado para dizer que uma Constituição foi votada – democraticamente – pelo povo e para em nome dele atuar, assim como o foi e é a Constituição de República Federativa do Brasil de 1988.

Há ainda as constituições cesaristas ou bonapartistas, “(…) formada por plebiscito popular sobre um projeto elaborado por um Imperador (plebiscitos napoleônicos) ou um Ditador (plebiscito de Pinochet, no Chile). A participação popular, nesses casos, não é democrática, pois visa apenas ratificar a vontade do detentor do poder.”4 Enquanto o último modo de trazer à tona uma Constituição é de maneira pactuada, “(…) são aquelas em que o poder constituinte originário se concentra nas mãos de mais de um titular. Por isso mesmo, trata-se de modalidade anacrônica, dificilmente se ajustando à noção moderna de Constituição, intimamente associada à ideia de unidade do poder constituinte.”5 O método de pactuação foi muito comum na idade média, quando houve disputas de poder entre monarcas e as ordens opositoras, à exemplo da Magna Carta de 1215, da qual trataremos nas partes a seguir.

Existe também a classificação quanto à forma, uma vez que as constituições podem ser escritas ou não. As escritas, também chamadas de instrumentais, trazem um único texto solene com regras bem determinadas e sistematizadas, estabelecem assim as normas fundamentais do Estado. Noutro viés, distante da visão dos sistemas jurídicos das famílias romano-germânicas existem constituições não escritas, chamadas de costumeiras ou consuetudinárias (há estudiosos a entenderem que mesmo as constituições não escritas possuem algumas normas escritas, logo, talvez sejam em sua maior parte costumeiras e influenciadas por textos jurídicos escritos, publicados ou legislados). Uma Constituição não escrita é chamada de costumeira, “É formada por “textos” esparsos, reconhecidos pela sociedade como fundamentais, e baseia-se nos usos, costumes, jurisprudência, convenções. Exemplo clássico é a Constituição da Inglaterra”.6

No tocante à extensão podem as constituições serem sintéticas ou analíticas. Sintética se tratar apenas dos princípios fundamentais e estruturais do Estado, em outras palavras, se houverem tão somente normas materialmente constitucionais, com assuntos propriamente constitucionais, conforme explicamos na parte um do texto O que é uma Constituição. Analíticas se forem além disso, se abordarem todos os assuntos considerados importantes pelo poder ou o povo que as elabora. Diga-se de passagem, que reiteradamente as constituições analíticas tratam de matéria que poderia ser tratada em lei de caráter infraconstitucional (como o caso do dispositivo constitucional que estrutura a competência para direção do Colégio Pedro II, explorado também na parte um do presente texto), consequentemente, vem a ser constituições consideravelmente grandes e facilmente passíveis de alteração.

As constituições podem ser elaboradas de dois modos, dogmático ou histórico. “Constituição histórica: é aquela elaborada de forma esparsa (com documentos e costumes desenvolvidos) no decorrer do tempo, sendo fruto de um contínuo processo de construção e sedimentação do devir histórico. Ela se equivale à Constituição não escrita quanto à forma.”.7 Enquanto o dogmático se equivale à classificação da Constituição escrita quanto à forma, ou seja, é escrita e organizada num documento que traz os dogmas de uma sociedade num só determinado contexto histórico.

Tratando-se da dogmática, as constituições podem ser classificadas pelo que a doutrina chama de ortodoxas, se contiverem uma só ideologia (como foi o caso da soviética de 1977 e as da China marxista), ou eclética, se contiver dialética entre variadas ideologias. Além disso, deve-se mencionar as normativas, nominalistas e as semânticas, no que diz respeito à correspondência com a realidade: da normativa à semântica há uma gradação de democracia e Estado Democrático de Direito para o autoritarismo. O sistema também pode ser principiológico, se predominarem os princípios e as normas com alto grau de abstração, ou preceitual, quando prevalecerem as regras.

Pode-se também perquirir sobre as constituições garantia, balanço ou dirigentes. A Constituição garantia busca garantir a liberdade, limitando o poder; a balanço reflete um degrau de evolução socialista; ao passo que a dirigente estabelece um projeto de Estado (ex.: portuguesa).”.8 É também importante falar, rapidamente, sobre a classificação quanto à finalidade: existem constituições garantistas, cujo principal objetivo é o de ser abstencionista, com o viés no pretérito, são as que buscam garantir direitos contra atuações lesivas do Estado aos cidadãos; há constituições balanço, que visam trabalhar o presente à luz da realidade já existente, adequando-se à realidade social; da mesma forma existem as dirigentes, mas detêm viés no futuro, trazem à tona normas programáticas para serem cumpridas pelo Estado para a sociedade no futuro, de maneira a traçar reais objetivos. Por fim, vale salientar que não há somente constituições definitivas, também existem as  provisórias.

Existem ainda outras classificações, porque alguns professores gostam de adicionar à lista seus próprios entendimentos. Como estudamos na parte anterior desse texto, enquanto existe sociedade há Constituição, portanto, não é tarefa fácil criar uma fórmula conceitual universal que traga classificações tendentes a abranger todas as constituições já introduzidas no mundo. Entretanto, as agora estudadas são as principais, e já servem de base para os estudos de quaisquer constituições ao redor do mundo.

No próximo texto, dando continuidade aos estudos, abordaremos a evolução das constituições mundiais. Tal como entenderemos a formação delas e o porquê do modo de ser das constituições atuais. Em prol de tornar isso possível traçaremos uma linha histórica acerca das principais constituições no mundo.

____________________

Jordano Paiva Rogério

 

Referências

________________________________________

1. Lenza, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 24ª. ed., p. 97. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

2. Carvalho, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 14ª. ed., p. 274-275. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

3. Art. 60, §4º, CF/88: Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais.

4. Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª. ed., p. 44. São Paulo: Malheiros, 2000.

5. Bulos, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 9ª. ed., p. 44. São Paulo: Saraiva, 2009.

6.  Lenza, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 24ª. ed., p. 95. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

7. Fernandes, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9ª. ed., p. 41. Salvador: Juspodivm, 2017.

8. Filho, Manuel Gonçalves Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 34ª. ed., p. 14-15. São Paulo: Forense, 2013.

Compartilhe nas Redes Sociais
Anúncio